Igreja Anglicana explora possibilidade de adotar Deus de ‘gênero neutro’
'Cristãos reconhecem desde os tempos antigos que Deus não é homem nem mulher', afirmou um porta-voz da Igreja da Inglaterra
Com a crescente conscientização global do uso de pronomes neutros, utilizado por pessoas que não se identificam com o gênero atribuído ao nascer, a Igreja Anglicana vai estudar a possibilidade de inserir termos neutros para se referir a Deus em suas orações. Apesar do anúncio, a instituição afirmou nesta quarta-feira, 8, que ainda não há planos para abolir o uso do pronome masculino.
“Os cristãos reconhecem desde os tempos antigos que Deus não é homem nem mulher”, afirmou um porta-voz da Igreja Anglicana, à agência de notícias Reuters. “No entanto, a variedade de maneiras de abordar e descrever Deus encontradas nas escrituras nem sempre se reflete em nossa adoração”.
A Igreja Anglicana dá permissão ao seu clero para interpretar e adaptar os textos oficiais, o que abriu uma brecha para que a linguagem neutra em termos de gêneros já fosse utilizada em alguns lugares. O padre anglicano ordenado e reitor associado para igualdade, diversidade, inclusão e pessoas da Universidade de Lancaster, reverendo Anderson Jeremiah, afirmou que prefere usar metáforas neutras ao se referir a Deus porque na bíblia sua figura é descrita como pai e mãe.
“Quando faço referência a Jesus, por outro lado, Jesus é um homem, e estarei me referindo a ele dessa forma”, disse Jeremiah que também faz parte da Comissão de Fé e Ordem
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Após anos de esforços para estudar diferentes maneiras para se referir a Deus na liturgia, a Igreja da Inglaterra vai lançar o projeto neste semestre chamado “linguagem de gênero”. Atualmente, a instituição busca se adaptar à linguagem moderna utilizada nos tempos contemporâneos, no entanto, a mudança precisa ter aprovação do corpo legislativo, e até o momento não há consenso sobre a linguagem a ser usada.
Uma troca de comentários foi feita no órgão governante da Igreja Anglicana, o Sínodo Geral, onde um padre questionou sobre o desenvolvimento de uma linguagem mais inclusiva no templo cristão caso fosse autorizada. Para ele, era necessário buscar opções para aqueles que desejam falar com Deus de uma “maneira sem gênero”
Em meio a um debate sobre a proposta, o vice-presidente da Comissão Litúrgica da Igreja da Inglaterra, o bispo Michael Ipgrave, foi questionado sobre as “as medidas que estão sendo tomadas para desenvolver uma linguagem mais inclusiva”. Em resposta, Ipgrave afirmou que a Igreja está “explorando o uso da linguagem de gênero em relação a Deus há vários anos, em colaboração com a Comissão de Fé e Ordem”.
Embora a deliberação mostre uma iniciativa de acompanhar o pensamento da sociedade atual, em janeiro o corpo religioso apresentou propostas afirmando que se recusaria a permitir casamento entre pessoas do mesmo sexo, afirmando que os padres só poderiam abençoa-los. No entanto, ao mesmo tempo, eles pediram desculpas às pessoas LGBTQI+ pela rejeição e hostilidade que a comunidade enfrenta diariamente.
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Alguns comentaristas da imprensa britânica que vinham acompanhando as discussões do Sínodo Geral afirmaram que a decisão da Igreja poderia ser considerada como uma ação política.
O professor emérito de história da igreja na Universidade de Oxford, reverendo Diarmaid MacCulloch, disse ao jornal americano The Washington Post que “atribuir um gênero a Deus sempre foi uma questão de metáfora, já que somos incapazes de dizer qualquer coisa que encapsula a divindade efetivamente na linguagem humana”.
“Portanto, é natural que exploremos mais como podemos falar de Deus na liturgia, dadas as vastas mudanças na compreensão de gênero e sexualidade que estão ocorrendo na sociedade”, acrescentou.
Desde 2014, a Comissão Litúrgica, que prepara os serviços autorizados para a Igrej Anglicana, começou a considerar que a linguagem poderia ser atualizada e modernizada. Agora, a comissão pediu a outro órgão da Igreja da Inglaterra, a Comissão de Fé e Ordem– que aconselha sobre teologia – para trabalhar com ela em olhar como Deus é descrito e abordado.
Apesar das discussões, ainda não há nenhum cronograma para essa proposta. Além disso, de acordo com a Igreja, “não há absolutamente nenhum plano para abolir ou revisar substancialmente as liturgias atualmente autorizadas e nenhuma dessas mudanças poderia ser feita sem uma legislação extensa.”