Especialistas em Política Externa avaliam como “gravíssimas” as mais recentes decisões do presidente Jair Bolsonaro, culminadas com o episódio da demissão de seu ministro da Justiça, Sergio Moro, nesta sexta-feira, 24. A imagem do Brasil no exterior, concordam eles, foi destruída em decorrência das atitudes do chefe de Estado e das convicções “lunáticas”de seu leal chanceler, Ernesto Araújo, e seu restauro dependem da saída constitucional de Bolsonaro do Palácio do Planalto.
“Já não temos mais nem os resquícios da boa imagem que tínhamos no passado. A humilhação internacional do Brasil é tão grande que é considerado no exterior como um país governado por malucos”, afirmou o embaixador Rubens Ricupero, ex-ministro da Fazenda e do Meio Ambiente.
“A imagem do Brasil é agora é um lixo. Nem no regime militar era tão ruim. É o único país do mundo em que o chefe de governo gera estripulias políticas enquanto mais de 400 pessoas morrem por dia por causa da epidemia de coronavírus”, declarou o ex-chanceler e ministro da Defesa, Celso Amorim.
“O Brasil se afastou de si mesmo, de sua maneira de buscar diálogo e consenso no cenário internacional. É um país mais perigoso”, avalia o embaixador Marcos Azambuja, ex-secretário-geral das Relações Exteriores e ex- representante do Brasil na Argentina e na França.
Os mais recentes atos do presidente da República demoliram o que restava da imagem positiva do país frente a seus parceiros internacionais e investidores estrangeiros, concordam os três embaixadores. Em apenas uma semana, Bolsonaro demitiu seu então ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, apresentou-se e discursou diante de uma manifestação que pedia o retorno da ditadura militar e do Ato Institucional n. 5 e, por fim, provocou a demissão de Moro ao pressioná-lo pela exoneração do diretor-geral da Polícia Federal, Maurício Valeixo.
“O governo, como havia, acabou. O presidente ainda vai tentar remanejar suas forças, entre aliados palacianos e sua família. Mas quando um governo se fecha em si mesmo, é o começo do fim”, afirmou Azambuja.
Amorim avalia que caberá às elites econômicas, principais responsáveis pela eleição de Bolsonaro, dar o impulso necessário para sua saída do Planalto, conforme o velho provérbio “quem pariu Mateus, que o embale”. Ressaltou que, diferentemente dos movimentos das Diretas Já (1983-1984) e do impeachment de Fernando Collor de Mello (1992), os movimentos sociais e panelaços não serão os principais motores da renúncia ou retirada do presidente. O fato de Fernando Henrique Cardoso ter se manifestado em favor da renúncia é importante, em sua opinião, por ser o o ex-presidente considerado “o porta-voz mais civilizado da elite”.
“Quem vai decidir será o quadripé formado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), pelo Congresso, pelas Forças Armadas e pela Procuradoria-Geral da República (PGR). Os militares serão um fator importante nessa equação”, afirmou o ex-ministro da Defesa, para quem a imagem do Brasil no exterior também é rasgada quando surgem as cenas reais de valas comuns e depoimentos de coveiros exaustos, resultantes em sua opinião da resistência do Presidente da República em adotar as medidas necessárias para o controle da pandemia.
Para Ricupero, “nesse pandemônio”, nenhum investidor olhará para o Brasil como um destino de seus recursos, mesmo depois de superada a pandemia de Covid-19. Oquadro político e de governabilidade se agrava cada vez mais com as crises geradas pelo próprio Bolsonaro. “Só se for um suicida para investir no Brasil. Estamos perturbados com o desastre causado pelo próprio presidente”, afirmou.
Lunático
Os três veteranos da diplomacia brasileira concordam que, antes desses episódios mais graves protagonizados por Bolsonaro, a imagem do Brasil no exterior já se via desconstruída pela atuação do chanceler Ernesto Araújo. Nesta semana, o ministro dispendeu tempo para retomar, em um artigo publicado em seu blog, sua obsessão com a disseminação do comunismo que, para ele, embutido na atuação dos organismos internacionais. No texto, afirmou ser o “comunavírus” mais destrutivo do que a Covid-19, que já matou 195.775 pessoas no mundo todo, entre as quais 3.670 brasileiros.
“É delirante, uma visão alucinada”, declarou Azambuja. “Esse artigo nem merece discussão porque é lunático”, afirmou Ricupero. Ambos concordaram que as considerações do chanceler mereceriam a avaliação de uma “junta de psiquiatras”.
As convicções do ministro das Relações Exteriores e de seu chefe, porém, não ficam expressas apenas em textos obscuros. Elas se desdobram em decisões que contrastam com o interesse nacional e com a orientação tradicional da diplomacia brasileira de promover consensos e o espírito de diálogo e de cooperação internacional. Diante da pandemia de Covid-19, porém, as instruções emitidas pelo Itamaraty aprofundaram a observação do Brasil como um pária.
Em sintonia com os Estados Unidos, país com o qual o governo Bolsonaro alinhou-se, o Brasil omitiu-se em apoiar uma resolução da Assembleia-Geral das Nações Unidas em favor de uma ação global para aumentar rapidamente o desenvolvimento, a fabricação e o acesso a medicamentos, vacinas e equipamentos médicos para enfrentar a nova pandemia de coronavírus – tema claramente de interesse dos brasileiros. A proposta foi apresentada pelo México na segunda-feira, 20, e patrocinada por 75 outros países. “Nós estamos importando a briga dos Estados Unidos com a Organização Mundial da Saúde“, criticou Amorim.
O Brasil acabou não convidado para a reunião de alto nível na Organização Mundial da Saúde (OMS) nesta sexta-feira, 24, quando foi tratada a criação de um fundo de 45 bilhões de reais para acelerar produção e distribuição de medicamentos e vacinas, liderada pelo presidente da França, Emmanuel Macron. O país jamais foi preterido em uma discussão sobre esse tema. “Não se chama um doido para tratar um tema como esse”, resumiu Ricupero.
Amorim lembrou ainda que o país está no fim da lista da China de fornecimento de materiais essenciais para o combate à epidemia – máscaras, respiradores artificiais e kits de testes – por sua posição de confrontação com Pequim. O país, entretanto, foi o primeiro de grande envergadura a firmar a Parceria Estratégica com a China, ainda durante o governo de Itamar Franco. “As consequências disso são graves e reais. São os mortos pela pandemia.”