Divulgada há poucas semanas, a lista dos bilionários de Israel trouxe uma novidade: Roman Abramovich, o oligarca russo que é dono do time de futebol inglês Chelsea, aparece em segundo lugar, com 13 bilhões de dólares. Abramovich foi catapultado ao alto da relação porque, em maio do ano passado, se tornou cidadão israelense. O novo passaporte não tem nada de inusitado, já que, pela chamada Lei do Retorno, todo judeu — e Abramovich é judeu — pode requisitar cidadania em Israel. Mas com certeza ajudou o bilionário a se decidir pela volta à terra prometida uma lei aprovada bem mais recentemente, em 2008, que isenta por dez anos os imigrantes de pagar impostos e de informar a procedência do dinheiro que trazem consigo. Israel virou um ímã de ricaços graças à chamada Lei Milchan — referência a Arnon Milchan, produtor do filme Uma Linda Mulher, que jogou toda a sua força sobre o Parlamento e sobre o amigo Benjamin Netanyahu, então deputado, para aprovar a legislação e, ato contínuo, beneficiar-se dela.
Não foi por coincidência que Abramovich se tornou cidadão israelense em 2018. Até então, embora o grosso de sua fortuna venha de indústrias de petróleo, aço e níquel com sede na Rússia, sua base de ação era Londres — para onde, aliás, revoaram dezenas de oligarcas interessados em cuidar dos negócios em ambiente mais propício do que a Rússia de Vladimir Putin. Assim viveram, Abramovich e colegas, tranquilos sob o guarda-chuva de um visto de trabalho especial concedido a qualquer um que tivesse 2 milhões de libras para investir no Reino Unido — até que, em 2015, o parafuso das auditorias financeiras começou a apertar e a renovação de vistos ficou mais lenta e difícil. Três anos depois, um agente secreto russo aposentado, Serguei Skripal, foi envenenado, com sua filha, em Salisbury, na Inglaterra. Os dois sobreviveram, mas todos os indícios de culpa apontaram para a Rússia. As relações entre os dois países esfriaram, e o então ministro das Relações Exteriores Boris Johnson — justamente o agora ungido líder conservador e primeiro-ministro (veja a reportagem) — levantou a lebre de “uma operação contra pessoas próximas a Putin que possam ter riqueza ilícita”. Abramovich e companhia pegaram seus jatinhos (no caso dele, um Gulfstream) e pousaram em Tel-Aviv.
O fluxo dos ricaços tem sido constante desde a aprovação da Lei Milchan. Entre 2009 e 2010, os registros mostram que a cada semana um novo milionário se beneficiou da aliya, como é chamado o direito de retorno à terra dos antepassados. Desde o aperto britânico, calcula-se que cerca de quarenta oligarcas tenham trocado Londres por Tel-Aviv. Resultado: o capital dos bilionários israelenses de 2019, computados pelo jornal Haaretz e pelo site financeiro The Marker, cresceu 30% no ano, um recorde.
O ranking enumera 128 bilionários no país de 8,5 milhões de habitantes (os critérios são diferentes dos da Forbes, que nomeia apenas 21 e ainda não inclui o recente êxodo do Reino Unido). “A legislação tem pontos positivos, como trazer imigrantes qualificados de classe média e aquecer o mercado imobiliário. Mas também estimula a evasão fiscal. Pessoas como Abramovich podem vir para cá para esconder dinheiro”, afirma Avichai Snir, especialista em economia política da Universidade Bar-Ilan, de Tel-Aviv. Diga-se a favor do oligarca russo, muito próximo a Putin, que não pesa contra ele um único processo por atividades financeiras ilícitas. Mesmo assim, a Suíça, depois de rever seu prontuário de negócios, preferiu negar seu pedido de cidadania, em setembro do ano passado.
Abramovich passa a maior parte do tempo na Rússia. Casado e separado três vezes, pai de sete filhos, quando está em sua segunda pátria ele se hospeda no hotel-butique que comprou de Yaron Varsano — marido da atriz Gal Gadot, a Mulher Maravilha — e transformou em residência de 6 000 metros quadrados. Imóveis são praticamente um hobby de Abramovich, que tem mansões em Londres, Nova York, Paris, Côte D’Azur e Caribe, entre outros lugares. No momento, está adquirindo uma vila à beira do Mediterrâneo por 63 milhões de dólares — a mais cara propriedade já vendida em Israel. Como meio de transporte, exibe uma coleção de carros raros, aviões e o segundo maior iate do mundo, o Eclipse, que custou 500 milhões de dólares. O bilionário tem um histórico de doações e investimentos em Israel. Há alguns anos, alugou lá todos os 111 quartos do Beresheet Hotel, um resort de alto luxo no deserto, para passar a Páscoa judaica com a família — queria imergir no cenário da fuga dos escravos judeus do Egito à terra prometida, que o feriado comemora. No fim de quatro dias, pagou a conta de 450 000 dólares e foi embora. Com a cidadania (e o sossego fiscal pelos próximos anos), certamente ele voltará a Israel muitas vezes.
Publicado em VEJA de 31 de julho de 2019, edição nº 2645