A Liga Árabe alertou o presidente eleito Jair Bolsonaro, em carta, para o risco de que a transferência da embaixada do Brasil em Israel para Jerusalém prejudique as relações com os países árabes, disse um diplomata à agência Reuters.
A Liga Árabe é uma organização de Estados árabes fundada em 1945 com o objetivo de reforçar e coordenar os laços econômicos, sociais, políticos e culturais entre os seus membros. Atualmente possuí 22 Estados-membros, incluindo a Palestina.
A carta a Bolsonaro, assinada pelo secretário-geral da liga, Ahmed Aboul-Gheit, foi entregue ao Ministério das Relações Exteriores do Brasil, segundo o diplomata árabe que pediu para não ser identificado.
Embaixadores de nações árabes se reunirão em Brasília nesta terça-feira, 11, para discutir o plano de Bolsonaro de transferir a embaixada de Tel-Aviv e reconhecer Jerusalém como a capital de Israel,em alinhamento com a posição do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.
Tal movimento seria uma forte mudança na política externa brasileira, que tradicionalmente apoia uma solução de dois Estados para o conflito israelo-palestino.
“O mundo árabe tem muito respeito pelo Brasil e queremos não apenas manter as relações, mas também melhorá-las e diversificá-las. Mas a intenção de transferir a embaixada para Jerusalém pode prejudicá-las”, disse o diplomata.
Comércio
O Brasil é um dos maiores exportadores de carne Halal do mundo e esse comércio pode enfrentar problemas se Bolsonaro irritar os países árabes com a transferência da embaixada. Isso poderia afetar fortemente as exportações para os principais mercados do Oriente Médio das empresas BRF e JBS.
O lobby dos exportadores de carne tem pressionado o presidente eleito a não fazer isso, e ele pareceu ter mudado de ideia por algum período.
Mas seu filho Eduardo Bolsonaro disse, durante uma recente visita a Washington, que a mudança da embaixada “não é uma questão de se, mas de quando”, indicando que a decisão já estava tomada.
A declaração do deputado federal reeleito foi feita antes da visita o genro de Trump, Jared Kushner, na Casa Branca. Kushner foi um dos principais articuladores da mudança da embaixada americana para Jerusalém.
Os alimentos Halal são aqueles permitidos pela religião islâmica. Entre as carnes, os muçulmanos só comem frango ou carne bovina se o animal tiver sido degolado com o corpo voltado à cidade sagrada de Meca, ainda vivo, e pelas mãos de um muçulmano praticante, geralmente árabe. Antes do abate de cada bicho, o degolador pede autorização a Deus, em árabe, como forma de mostrar obediência e agradecimento pela comida. Peixes são considerados Halal por natureza, porque saem da água vivos. Já os suínos são considerados impuros pelo modo como se alimentam, por estarem ligados a ambientes de sujeira.
As relações comerciais entre os países árabes e o Brasil, contudo, não se limitam à venda de carnes Halal. Dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex) mostram que, de janeiro a setembro deste ano, o Brasil exportou para o Oriente Médio — excluído Israel — um total de 9,6 bilhões de dólares em produtos. O Irã foi o sexto maior comprador de bens brasileiros, com 4,6 bilhões dólares.
Já Israel importou 256 milhões de dólares do Brasil no mesmo período, o que coloca o país no posto de 64º maior mercado do Brasil.
Disputa por Jerusalém
O status de Jerusalém é central no conflito palestino-israelense. Israel a controlam desde 1967, mas os palestinos reivindicam a parte oriental da cidade sagrada como capital de seu futuro Estado.
A comunidade internacional, como forma de se manter neutra no conflito, encoraja as nações a manterem suas embaixadas em Israel na cidade de Tel-Aviv, principal centro comercial do país.
A decisão de Donald Trump em mudar a representação diplomática para Jerusalém provocou muitas críticas internacionais e trouxe ainda mais tensão para o conflito na região. Desde então, a Autoridade Palestina e outras lideranças da região têm se recusado a continuar as negociações com os israelenses.
Em entrevista a VEJA, o embaixador palestino no Brasil, Ibrahim Zeben, afirmou que as intenções do governo brasileiro em mudar sua embaixada são lamentáveis.
“Jerusalém é uma cidade ocupada. As Nações Unidas não reconhecem a soberania israelense sobre a cidade. E é uma tradição do Brasil, desde 1947, respeitar o direito internacional e não dar esse reconhecimento. Isso não é linha do PT, da direita ou da esquerda, mas uma tradição diplomática”, afirmou o embaixador.
“Teremos a maior boa vontade de explicar ao futuro governo brasileiro a posição palestina”, completou Zeben.