Loucos por (falta de) sexo
Celibatários involuntários promovem a misoginia na internet e, nos EUA, alguns deles estão por trás de assassinatos em massa para “punir as mulheres”
Na última semana de abril, Alex Minassian, de 25 anos, virou abruptamente a direção da van que dirigia e subiu sobre uma calçada de Toronto. Ele atropelou 26 pessoas, das quais dez morreram. O atentado, apesar de inspirado nas táticas assassinas do grupo terrorista Estado Islâmico, não tinha nada a ver com religião. O que levou Minassian a matar aquelas pessoas foi a sua frustração por não ter uma vida sexual ativa e uma raiva patológica das mulheres. Entre as suas vítimas, oito eram do sexo feminino. O assassino jamais havia tido uma namorada e se ressentia do fato de ser virgem. Para ele, essa condição era culpa das mulheres, que não o viam como atraente suficiente e por isso o “castigavam”, recusando-se a namorar ou fazer sexo com ele. A violência misógina de Minassian tornou público um distúrbio que está na origem de uma série de outros assassinatos em massa: os celibatários involuntários. Homens que se sentem punidos pela sociedade e sobretudo pelas mulheres com a privação de sexo.
O termo incel (corruptela da junção das palavras “involuntary” e “celibacy“) só foi cunhado pelos cientistas em 1993. Segundo os pesquisadores, esses indivíduos tendem a desenvolver um perfil violento como resultado dessa frustração. Nos Estados Unidos, onde o fenômeno vem sendo levado a sério, estima-se que aqueles que se autodeclaram como incel formem um grupo de aproximadamente 40.000 pessoas. A conexão de Minassian com os celibatários involuntários foi registrada por ele próprio na internet. Em uma postagem no Facebook, o assassino disse que daria sequência à “revolução” iniciada por Elliot Rodger — um jovem de 22 anos que em 2014 matou sete pessoas e feriu outras sete na Califórnia. O atirador virou uma referência entre os incels ao deixar um “manifesto” de 150 páginas carregado de misoginia e pregação de violência.
Antes deles, pelo menos outros dois atiradores em massa tinham o mesmo perfil. Em 2015, Chris Harper-Mercer, de 26 anos, matou nove pessoas em uma universidade no Estado de Oregon. No fim dos anos 80, Marc Lepin, de 25 anos, matou catorze mulheres em uma faculdade de Montreal. Antes de disparar contra suas vítimas, ele separou homens de mulheres. “Geralmente são homens jovens que acreditam que têm direito ao sexo, mas isso lhes é privado pelas mulheres. Por essa razão são misóginos e em casos extremos pregam o estupro e outros atos hediondos, como os massacres”, diz o psicanalista americano Sam Louie, que pesquisa o comportamento dos incels no Estado de Washington. Segundo o especialista, não só as mulheres são alvo da fúria dos celibatários involuntários. Outros homens que fazem sucesso entre as garotas são igualmente odiados. “Há uma série de fatores que podem levar uma pessoa a desenvolver esse perfil. Há a influência étnica, que pode levar alguns membros de minorias a se sentir rejeitados nos ambientes em que vivem, ou portadores de síndromes como a de Asperger, que têm bastante dificuldade em entender e lidar com códigos envolvidos em uma simples paquera.”
No Brasil, a polícia investiga fóruns na internet nos quais brasileiros têm feito manifestações de ódio ao estilo incel. Um desses espaços é o fórum Dogolachan. Há duas semanas, a Polícia Federal prendeu o líder desse grupo, Marcelo Valle Silveira Mello. O brasiliense, que já havia sido preso por racismo e ameaça, comandava um grupo que reproduzia o discurso de violência misógina dos incels. Muitos dos participantes brasileiros já se definem como sendo celibatários involuntários. Além da prisão de Mello, a PF cumpriu mandados de busca e apreensão contra outros sete investigados, em seis estados.