Ainda falta quase um ano para a próxima eleição, marcada para abril de 2022, mas Emmanuel Macron, 43 anos, já trabalha abertamente pelo que espera ser a primeira reeleição de um presidente da França desde 2002. Seu gabinete comanda um plano de ação que pretende combinar a expansão da influência internacional com uma consistente virada conservadora destinada a conquistar corações e mentes nas duas alas do eleitorado mais relutantes em aceitá-lo: a direita nacionalista e os insatisfeitos moradores dos grotões rurais ressentidos com o que veem como privilégios das elites. No início do mês, o presidente deu partida a uma turnê pelos quatro cantos da nação, para “tomar o pulso” da França pós-pandemia e “entrar em contato com o povo” — mesma estratégia que usou, com moderado sucesso, para acalmar a onda de protestos dos “coletes amarelos” no fim de 2019. “Posar sorridente ao lado de pessoas comuns faz parte do esforço dele para apagar a imagem de ex-banqueiro arrogante e desconectado da população”, diz a francesa Cécile Alduy, analista da Universidade de Stanford.
O afago nas bases tem lá seus riscos. Durante uma caminhada no interior na terça-feira 8, o presidente levou uma sonora bofetada no rosto, imediatamente postada nas redes, de um cidadão que, entre slogans monarquistas, pedia o fim do “macronismo” — termo cunhado para definir sua postura imperial, de quem manda sozinho. O agressor foi preso e o agredido recebeu mensagens de apoio vindas de todas as partes. Macron saiu do quase anonimato para a Presidência em 2017 brandindo a ideia de ser um sujeito sem compromissos ideológicos e imune à velha política. Causou grande impacto, sobretudo entre os jovens ávidos por novidades, um eleitorado hoje decepcionado, mas então sem alternativa à vista. Com vigorosos 40% de aprovação, o presidente optou por concentrar forças nas hostes da inimiga — no caso, Marine Le Pen (leia na pág. 54), líder da extrema direita colada a ele nas intenções de voto. Pesquisas mostram Macron e Marine praticamente empatados no primeiro turno — em um levantamento ela aparece 3 pontos à frente.
Apresentando-se como alternativa mais moderada a Marine, Macron desliza cada vez mais para a direita. Em 2020, fez mudanças nos ministérios e nomeou o direitista Jean Castex como primeiro-ministro. Junto com ele, aprovou uma controversa lei de segurança nacional que pune com até cinco anos de prisão quem filmar e divulgar imagens “mal-intencionadas” de policiais em ação e lhes dá maior liberdade para reprimir protestos de rua. Ao mesmo tempo, baixou sobre a comunidade muçulmana um conjunto de regras draconianas destinadas a conter o “separatismo islamista” que vê como a fonte de atos terroristas no país. Em paralelo, promove uma cruzada contra os conceitos globalizados que estariam minando a cultura francesa. “Macron saiu do centro reformista e se aproximou de uma ala conservadora, pescando nas águas eleitorais de Marine Le Pen e se aproveitando do colapso da esquerda e da direita tradicionais”, analisa George Ross, professor de ciência política da Universidade de Montreal.
Tantos acenos aos setores mais conservadores da sociedade tiveram um efeito colateral tão perturbador quanto inesperado: militares da reserva e da ativa se sentiram à vontade para expor seu desagrado com o “comunitarismo” — a insistência em ressaltar “a discriminação de raças e povos e revisões do colonialismo” — que, no seu modo de ver, está contaminando o caráter universalista da sociedade. “Não há mais tempo a perder ou amanhã uma guerra civil porá fim ao caos crescente”, ameaça uma carta assinada por 1 500 oficiais da reserva, muitos deles generais, e publicada na revista direitista Valeurs Actuelles. Pouco depois, outra carta, esta anônima mas atribuída à “nova geração de soldados”, divulgada na mesma publicação, diria mais claramente que “uma guerra civil está fermentando na França”, alimentada pelo islamismo e pela política identitária praticada nos subúrbios pobres que cercam Paris, e criticaria a “covardia” do governo no enfrentamento do problema. Pesquisa recente mostra que metade dos policiais e militares franceses pretende votar em Marine Le Pen no primeiro turno da próxima eleição para presidente.
Enquanto testa novas fontes de apoio do ambiente doméstico, no âmbito internacional Macron tenta se firmar como estadista influente e determinante nos rumos do continente europeu. Adepto dos discursos grandiloquentes, ele defende uma “Europa soberana” diante da China e dos Estados Unidos. Entre os líderes mundiais, é o que advoga com maior vigor a distribuição gratuita e igualitária de vacinas contra a Covid-19 às nações mais pobres e a voz mais estridente a cobrar do governo de Jair Bolsonaro maior responsabilidade na questão ambiental.
No tratamento das ex-colônias, foi a Ruanda pedir desculpas e reconhecer “as responsabilidades” da França no genocídio da minoria tutsi em 1994, admitiu excessos das forças francesas na Argélia (neste caso, sem se desculpar) e visitou o Líbano, prometendo ajuda, quando o porto de Beirute ainda fumegava após uma devastadora explosão acidental. “A saída de Angela Merkel do comando da Alemanha em setembro abrirá um vácuo de poder na Europa”, diz Paul Smith, da Universidade de Nottingham. “Macron quer mostrar seu potencial para ocupá-lo.” O mais jovem líder francês desde Napoleão Bonaparte está fazendo de tudo para crescer e aparecer em um possível, embora complicado, segundo mandato.
Publicado em VEJA de 16 de junho de 2021, edição nº 2742