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Marcação cerrada: o teste do governador Gavin Newsom na Califórnia

Por lá, é possível eleger uma pessoa e, no meio do caminho, removê-la do cargo em um referendo

Por Caio Saad Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 12h51 - Publicado em 11 set 2021, 08h00

Imagine eleger o prefeito, o governador, até o presidente, e, tempos depois, considerando que a pessoa não está fazendo o trabalho direito, ter ferramentas para tentar tirá-la do cargo e pôr outra no lugar — pelo voto. É exatamente o que vai acontecer na Califórnia: na terça-feira 14, os eleitores vão às urnas decidir se o governador democrata Gavin Newsom, que ganhou de lavada (62%) a eleição de 2018, fica ou vai embora. Mesmo que atraente, esse tipo de referendo, conhecido como recall, é bem pouco usado mundo afora, sendo os Estados Unidos seu palco mais frequente. Como tudo nos últimos tempos, o recall de Newsom caiu no fosso da polarização que divide o país ao meio, virou ponto de honra dos republicanos e está chacoalhando os meios políticos no estado mais consistentemente democrata de toda a federação.

A reclamação principal contra o governador é sua atuação na pandemia, que os promotores da ação consideram excessiva por haver imposto fechamento de escolas e negócios e rigoroso lockdown — aquelas medidas ancoradas em amplas evidências científicas que, mesmo assim, os negacionistas acham bobagem. Os críticos também condenam o grande aumento da população de rua, atribuído ao preço da moradia, e a projetos de Newsom em favor de imigrantes sem documentos. Pegou muito mal, ainda por cima, o jantar com lobistas de que ele participou em um restaurante estrelado, todo mundo sem máscara, em plena pandemia, quando convocava a população a não sair de casa.

Sendo o recall californiano o mais fácil de ser convocado, por exigir um número de assinaturas de apoio igual ou maior que 12% do comparecimento da disputa anterior, os republicanos, capitaneados pelo ex-policial Orrin Heatlie, se mobilizaram nas redes sociais para levar o projeto adiante — em meio à desmotivação geral do lado democrata. Beneficiado por uma extensão do prazo (por causa da Covid-19), o abaixo-assinado caminhou e o referendo virou realidade. Pior: as pesquisas — que, diga-se, já foram bem mais confiáveis — apontam pouca diferença nas intenções de voto. “O entusiasmo republicano é grande. Mas só um em cada quatro eleitores registrados no estado é do partido e, para ganhar, vão precisar dos independentes”, explica David McCuan, professor de política americana na Universidade Sonoma State, na Califórnia.

EM CAMPANHA - O democrata Newsom: apelos ao eleitorado desmotivado -
EM CAMPANHA - O democrata Newsom: apelos ao eleitorado desmotivado – (Jeff Chiu/AP/Image Plus)

No referendo, os eleitores respondem a duas perguntas: 1) se Newsom deve sair; e 2) se sim, quem deve sucedê-lo. São 46 esperançosos, todos amadores na política, e o favorito é o conservador Larry Elder, locutor de programas de rádio que já chamou o aquecimento global de “besteira” e acha que o valor do salário mínimo deve ser “zero vírgula zero zero”. Nascido na democracia da Grécia Antiga, o recall consta da legislação, federal ou regional, de diversos países como Argentina, Peru, Equador e Japão, mas é considerado, entre as práticas democráticas, a mais raramente usada. Na própria Califórnia, a única vez que um governador foi tirado do cargo se deu em 2003: o democrata Gray Davis foi substituído pelo ator Arnold Schwarzenegger, que daí deslanchou uma carreira política.

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Preocupado com os números das pesquisas, o Partido Democrata convocou um pelotão digital para disparar meio milhão de mensagens por dia incentivando os eleitores a votar no dia 14. Californiana, a vice-presidente Kamala Harris marcou presença em um comício e Joe Biden também pode comparecer. “Não duvidem nem um segundo: este recall tem tudo a ver com a capacidade do Partido Democrata de manter o controle da Câmara dos Deputados em 2022. O ‘não’ será ouvido em alto e bom som não só no estado, mas no país inteiro”, alerta New­som.

Embora a Califórnia tenha 22 milhões de democratas registrados e aptos a votar e Biden tenha tido lá quase o dobro de votos de Donald Trump, o governador se ressente neste momento da má vontade de uma fatia essencial: os latinos, que compõem 30% do lado democrata e estão insatisfeitos com o desemprego e outros efeitos da pandemia, mais profundos na sua comunidade. “O recall da Califórnia é a coisa mais importante que acontece na política americana neste momento”, afirma o veterano estrategista Garry South. Neste fim de verão escorchante, com seca e incêndios florestais nunca vistos, uma crise política era só o que faltava na Califórnia.

Publicado em VEJA de 15 de setembro de 2021, edição nº 2755

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