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Martin Rees, de Cambridge: ‘A astronomia vive uma era de ouro’

Cosmólogo britânico é um dos cientistas mais respeitados da atualidade

Por Ernesto Neves Atualizado em 31 Maio 2021, 12h07 - Publicado em 31 Maio 2021, 09h01
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  • Um dos cientistas mais importantes da atualidade, o cosmólogo britânico Martin Rees, da Universidade de Cambridge acredita que a Humanidade viverá uma época de ouro na astronomia, com descobertas em série. O avanço, explica, já se equipara ao experimentado nos anos 1960, quando iniciamos a exploração do Espaço.

    Em entrevista a VEJA, Rees explica que há um desenvolvimento extraordinário da tecnologia. E avisa que num futuro próximo, seremos capazes de fotografar com precisão astros a milhões de anos-luz da Terra.

    Mas alerta: as novas tecnologias trazem responsabilidades e desafios extras. E, se mal utilizadas, podem provocar sérias consequências à civilização ao longo do século 21.

    Rees é um dos convidados da Conferência Internacional “Desirable Tomorrows”, da UFRJ, que acontece até o dia 7 de junho de forma virtual. 

    Os anos 1960 ficaram conhecidos como a era de outro da astronomia. Hoje, estamos novamente assistindo a uma série de notícias sobre o cosmos. O senhor acha que estamos novamente entrando numa era de descobertas?

    Sem dúvidas. Até a década de 1960, não podíamos fazer observações espaciais. Isso só aconteceu após colocarmos os primeiros satélites em órbita. Foi uma década que tivemos as primeiras evidências do Big Bang e sobre a existência de buracos negros. Além, de claro, mandarmos o homem ao espaço e à Lua. 

    Estamos novamente vivendo um tempo de descobertas, especialmente nos últimos cinco anos. Telescópios cada vez mais poderosos estão permitindo avanços importantes na compreensão das ondas gravitacionais e os buracos negros. Aprendemos que os buracos negros colidem entre si, por exemplo. E observamos com muito mais detalhes o centro das galáxias, onde existem buracos negros monumentais.

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    Os últimos anos proporcionaram um avanço não só extraordinário, como também contínuo. Posso dizer que este é um excelente momento para os jovens tornarem-se astrônomos.

    Sobre o Futuro: novo livro de Martin Rees analisa perspectivas para a Humanidade

    Qual é a fronteira mais desafiadora da astronomia hoje?

    São os exoplanetas, como chamamos os astros que orbitam outras estrelas além do nosso Sol.  Vinte cinco anos atrás, podíamos apenas especular sobre sua existência. Até que o astrônomo Didier Queloz, de Cambridge, comprovou sua existência, em 1999. Hoje, sabemos da existência de milhares de exoplanetas. É um campo que abre perspectivas incríveis de estudo não só na astronomia, como também na química e na biologia. 

    Que tipos de instrumentos temos agora e o que eles são capazes de fazer?

    Pegue o exemplo do Observatório Espacial Gaia, da Agência Espacial Europeia. Ele tem a capacidade de analisar os dados de dois bilhões de estrelas.

    Outro exemplo são os supercomputadores. Um dos maiores entraves ao desenvolvimento da astronomia é que, ao contrário de outras ciências, não era possível realizar experimentos. Mas isso ficou para trás com os computadores que temos hoje.

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    Com a ajuda tecnológica, os cosmólogos podem simular eventos únicos, como a colisão de galáxias. Ou seja, eventos de magnitude cósmica podem ser recriados virtualmente.

    Por que os exoplanetas despertam tanta curiosidade? 

    Se você pergunta ao público em geral, a ideia de que toda estrela no céu não é só um ponto de luz, mas um sistema solar orbitado por planetas desperta enorme fascínio.

    Mas, sem dúvida, o que nos intriga mais é saber se há vida fora da Terra. É isso que torna os exoplanetas um assunto tão popular. Já sabemos que a maioria das estrelas possuem exoplanetas. E que uma fração possui astros com dimensões semelhantes às da Terra.  

    Logo se impõe uma pergunta: O que aconteceu com a Terra, que gerou vida e depois inteligência, também ocorreu em outros pontos do Universo? Nós não sabemos. 

    Ainda que entendamos como a vida evoluiu aqui,  não desvendamos os mistérios de como a vida surgiu na Terra. Não compreendemos como compostos químicos se desenvolveram até se tornarem formas de vida. 

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    Como é feita a observação de planetas que estão a bilhões de anos-luz da Terra? 

    No momento, a observação dos exoplanetas não é feita por observação direta sobre eles. Ela é realizada através dos efeitos que o astro tem sobre a estrela que ele orbita.  

    O primeiro efeito é que se o planeta atravessa na frente da estrela, ele bloqueia a luz que é captada por nossos telescópios. E isso se repete a cada ciclo de sua órbita. É assim que centenas de exoplanetas estão sendo descobertos. 

    Você pode, por exemplo, calcular o tamanho do planeta pela sombra que ele produz. Nossa Terra, por exemplo, bloqueia cerca de 1% da luz emitida pelo Sol.

    A outra forma possível de observá-los é detectar o movimento orbital das estrelas. Pense num halter desses de academia que têm um peso em cada ponta. Agora gire ele no chão. Um dos pesos fará uma órbita menor, enquanto o outro fará o círculo maior. A estrela, maior e mais densa, fica no centro, fazendo a órbita menor. E o planeta, de dimensões inferiores, realiza o círculo orbital maior. 

     O que já foi descoberto sobre os exoplanetas?

    Os astrônomos já conseguiram observar exoplanetas grandes, com tamanho semelhante a Júpiter. Mas é muito complexo explorar planetas menores, semelhantes à Terra. Mesmo que estejam orbitando estrelas próximas ao nosso Sistema Solar. 

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    Isso está prestes a mudar. O Extremely Large Telescope (ELT), um imenso telescópio em construção no Chile, terá capacidade para coletar uma extraordinária quantidade de informações. Ele possui um espelho com 39 metros de comprimento, que será capaz de registrar detalhadamente o espectro de luz emitido pelos mais diferentes tipos de corpos celestes. 

    Assim, o ELT vai poder detectar não só a luz emitida pelas estrelas, mas registrar planetas pela luz que eles refletem.  Ao conseguir observar diretamente os planetas, a pesquisa científica deverá avançar extraordinariamente.

    Um exemplo: suponha que um alienígena esteja investigando o nosso Sistema Solar de uma galáxia distante. Ele veria nosso Sol e a Terra como um pontinho azul claro. 

    A tonalidade azul da Terra já é suficiente para que o observador cósmico aprenda muito sobre nosso planeta. Ele entenderia, por exemplo, que os tons de azul variam quando se observa o Pacífico e o Atlântico. Então, saberia que há diferentes oceanos, que são separados por continentes. Ele também poderia calcular a duração dos dias de acordo com a variação de cores, assim como concluir sobre estações do ano clima e até saber se há vegetação. 

    Ou seja, teremos uma década de avanços incríveis…

    Outra que pode acontecer no futuro próximo é acharmos alguma evidência de vida em planetas próximos, como Marte, ou talvez em superfícies congeladas das luas de Júpiter e Saturno. 

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    Será uma quebra de paradigma. Porque se mostrarmos que as condições para formação de vida acontecem duas vezes apenas em nosso Sistema Solar, é muito provável que isso se repita bilhões de vezes Universo afora

    Além da cosmologia, o senhor se debruça sobre o impacto do avanço tecnológico sobre nossa civilização. E costuma fazer alertas sobre os perigos que nos espreitam. 

    Eu sigo muito preocupado com os rumos da Humanidade e duas questões me afligem em especial – os ataques cibernéticos e o uso de armas biológicas.

    Os ataques de hackers podem ser catastróficos se, por exemplo, derrubaram a eletricidade de um país inteiro ou sua internet. E isso está se tornando cada vez mais fácil de ser realizado, porque os hackers têm se aproveitado dos avanços da inteligência artificial.  

    Há ainda outra catástrofe bastante possível de acontecer, e que é ainda mais assustadora: um ataque biológico com vírus manipulados pelo homem para que sejam agressivos e infecciosos.

    Os ataques biológicos não são tão complexos como imaginamos. Eles podem ser feitos com o equipamento existente em inúmeros laboratórios espalhados pelo mundo. Não é como fazer uma bomba nuclear, que requer tecnologia de altíssima complexidade. 

    Nosso maior desafio é que é muito difícil, para não dizer impossível, se certificar de que ninguém está fabricando uma arma biológica nesse momento. Ou preparando um ciberataque. 

    Temos que regulações sobre experimentos. Mas é muito difícil garantir que essas leis estão sendo seguidas globalmente. 

    O único jeito de impedir completamente que alguém faça algo assim é passar a seguir todos os cidadãos 24 horas por dia. O que acabaria com a privacidade como conhecemos. E isso não irá acontecer.

    O senhor já disse que temos apenas 50% de chance de sobreviver a este século.  Ainda vê tamanho risco para a Humanidade?

    Eu diria que há uma chance importante de termos o que chamo de um revés da civilização. Não que toda a humanidade vá ser extinta. Mas há risco da estrutura que mantém nossa civilização organizada ser destruída.

    Isso pode ocorrer após um evento devastador, como uma pandemia, ou de um conflito nuclear. Estamos mais vulneráveis, porque nossas vidas tornaram-se totalmente dependentes da tecnologia.

    No século 14, quando a Europa foi devastada pela Peste Negra, metade da população morreu. A outra metade, que sobreviveu, conseguiu seguir em frente porque a vida era simples e as pessoas autossuficientes.  

    Estamos cada vez mais vulneráveis a um colapso à medida que nos tornamos mais globalizados. As cadeias de produção e suprimentos estão espalhadas pelos continentes. 

    Acredito que, hoje, a sociedade poderia entrar em colapso se enfrentasse uma pandemia com taxas de mortes superiores a 1%.  

    Com o coronavírus, vimos na Europa, Estados Unidos e Brasil taxas de mortalidade em torno de 0.3%. E verificamos como é devastador. Hospitais entram em colapso, houve impactos terríveis sobre a economia. 

    Então é verdade, penso que teremos um século muito desafiador pela frente.

    O senhor acha que a pandemia do coronavírus será capaz de trazer ensinamentos à Humanidade?

    Com certeza. Dez anos atrás, em Cambridge, criamos um centro de estudos de riscos em que analisamos cenários como o que vivemos. Nosso trabalho era encarado como ficção científica. 

    Certamente somos mais levados a sério agora. Depois do coronavírus, as pessoas entendem quando dizemos ser provável enfrentarmos uma catástrofe com impactos sobre todo o planeta.

    Uma das consequências da covid é que estaremos melhor preparados para lidar com eventos cataclísmicos, caso eles de fato aconteçam. 

    Sabemos que o custo imposto pela atual pandemia deverá alcançar 20 trilhões de dólares. Com esse número em perspectiva, governos, cidadãos e a comunidade científica entendem que é prudente gastarmos alguns bilhões em ações preventivas. 

    O senhor acha que a mudança de consciência também se estenderá à luta contra o aquecimento global?

    Sabemos que o clima está mudando, que estamos próximos de um ponto de não–retorno caso continuemos a queimar combustíveis fósseis. 

    Mas é muito difícil persuadir políticos para que tomem as medidas necessárias, como a restrição à queima do petróleo. Porque as ações de agora só trarão benefícios daqui a alguns anos, para outras gerações. 

    E políticos preocupam-se com suas próprias nações, com o seu tempo de mandato, com as próximas eleições. Nao é uma tarefa trivial convencer os governantes. 

    A resposta, para mim, vem do mundo científico. Nós, pesquisadores, precisamos deixar claro para a sociedade o tamanho do problema que estamos enfrentando.

    Porque a sociedade quer saber como será a vida dos seus filhos e netos. Nós sabemos que as crianças de hoje vão viver até o fim do século. Se convencemos o grande público, eles cobrarão de seus políticos que ajam para mitigar o problema. 

    Uma mudança importantíssima desses últimos anos é a adesão de líderes carismáticos e populares à luta contra a mudança do clima. Veja o caso do Papa Francisco, que, em 2015, lançou uma encíclica recheada de dados científicos sobre o problema climático. Sua mensagem expôs argumentos da ciência aos mais de 1 bilhão de católicos do mundo. E reverberou na ONU,  ajudando a viabilizar o Acordo de Paris, firmado em dezembro daquele ano. Bill Gates é outro exemplo recente de alguém popular que têm se dedicado a esta causa, com enorme sucesso. 

    É verdade que a preocupação em torno do tema é crescente. Mas nosso modo de vida segue intacto.

    Sim. A ciência terá de realizar avanços significativos para mudar essa panorama. Por exemplo, em energia limpa. Precisamos que fontes de eletricidade renováveis sejam instaladas em larga escala, que custem pouco para que possam ser utilizadas nos países da África, na China e na Índia.

    Pela quantidade de recursões que dispõem, os países mais avançados têm a responsabilidade de desenvolver esses avanços. E terão de ser mais generosos, compartilhando recursos e ideias com as nações emergentes.

    Porque a emissão de gás carbônico vem crescendo extraordinariamente nas nações em desenvolvimento. Vai ser necessário garantir que um indiano, que usa uma fração da energia comparada ao cidadão médio americano, possa enriquecer sem depender da queima de carvão. 

    Que surpresas a exploração espacial nos reservará nos próximos anos?

    É possível que no futuro sejamos capazes de fazer uma fotografia detalhada dos exoplanetas. Como aquela fizemos da Terra tirada do espaço em 1968. 

    Imagino que este tipo de procedimento será feito por robôs lançados no espaço com altíssima precisão. Uma fotografia assim será capaz de desvendar mistérios e trazer respostas a fenômenos que hoje apenas podemos especular.

    A robótica sofisticada também vai explorar nosso quintal, o Sistema Solar, como nunca. Hoje nos impressionamos com as fotografias feitas em Júpiter e Saturno pelo missão Cassini, que atuou entre 2004 e 2017. Mas esses robôs foram fabricados nos anos 1990. E demoraram uma década para chegar lá. Pense no avanço recente que tivemos, por exemplo, nos telefones celulares. Agora imagine o que um robô desenhado hoje em dia será capaz de realizar. 

    O que o senhor pensa sobre os vídeos de óvnis liberados recentemente pelo Pentágono?

    Não estou familiarizado com a questão do Pentágono. Mas muita gente afirma já ter presenciado fenômenos desse tipo. E até ter entrado em contato com alienígenas. O que posso dizer é que não acredito nessas historias.

    Se os ETs existem, não creio que fariam aparições excêntricas para depois desaparecerem. 

    O que eu acredito: é importantíssimo descobrirmos se há vida no Espaço. A ideia de que existe alguma forma de vida alienígena certamente não é uma maluquice. Por isso acho que devemos encontrar todo tipo de evidência. 

    Isso inclui radio-transmissões, satélites artificiais. Mas se você me questionar o que podemos encontrar, penso ser extremamente muito improvável acharmos uma civilização como a nossa.

    Se há vida em outro planeta, e ela se desenvolveu de forma sincronizada à nossa, talvez possamos detectá-la. 

    Mas discuto em meio livro que nos próximos mil anos é provável que sejamos substituídos por algum tipo de existência eletrônica, ou não-humana.

    Logo, se pensarmos em vida em outro planeta que tenha se desenvolvido bilhões de anos antes da nossa, é possível que ela já tenha se tornado unicamente eletrônica. 

    Acredito que se encontrarmos algum sinal, e eu espero que encontremos, não deverá ser algo vivo como nós. Mas algum objeto eletrônico, que emita sinais que não podemos compreender. 

    E que foi produzida por alguma entidade pós-humana, que não somos capazes de compreender o que são. Por isso, vale a pena procurarmos por qualquer coisa que pareça artificial.

    Segundo Rees, astronomia vive nova era de ouro
    Segundo Rees, astronomia vive nova era de ouro (Reprodução/Reprodução)

     

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