Boris Johnson é uma das figuras políticas britânicas mais controversas dos últimos anos. O substituto de Theresa May carrega a reputação de homem arrogante, desonesto e preconceituoso, mas ainda assim construiu apoio popular invejável nos últimos anos. Defensor ferrenho da saída do Reino Unido da União Europeia (UE), sua participação na campanha em favor do divórcio lhe rendeu o apelido de Mr. Brexit.
Johnson, de 55 anos, foi eleito líder do Partido Conservador e, consequentemente, novo primeiro-ministro nesta terça-feira, 23, apesar de seus comentários controversos e de seu histórico nem sempre positivo na política. Ele recebeu 66% dos votos dos membros da legenda, em uma sinalização favorável dos eleitores conservadores à saída do Reino Unido da União Europeia, com ou sem acordo.
O novo premiê já pode esperar dificuldades internas nos seus primeiros dias em Downing Street 10, com a ala no Parlamento em desacordo com a sua estratégia sobre o Brexit e a crise diplomática com o Irã em torno do trânsito de petróleo pelo Estreito de Ormuz.
Caberá ao político incontrolável, popularizado por seus cabelos desgrenhados e tão amarelos quanto os do americano Donald Trump, ter sucesso onde May falhou: concretizar o Brexit em um país profundamente dividido sobre o assunto e com parcelas substantivas de arrependidos pelo voto no referendo de 23 de junho de 2016.
O conservador é categórico ao afirmar que, caso o Reino Unido não consiga chegar a um acordo com os europeus até 31 de outubro, o país deixará a União Europeia na marra, mesmo sem consenso interno. Analistas já afirmaram, contudo, que um divórcio brusco causará traumas econômicos e uma situação de caos para os britânicos. Os parlamentares do Partido Trabalhista insistem na convocação de um novo referendo sobre o tema.
Um Brexit sem acordo também está longe de ser o que o Parlamento deseja. Após rejeitarem o acordo proposto por Theresa May três vezes ao longo dos últimos meses, os congressistas votaram contra qualquer possibilidade de uma saída desamparada em março. No último dia 18, antecipando-se à possível eleição de Johnson, o Parlamento britânico aprovou uma ementa que impede o futuro governante de prorrogar ou suspender o Legislativo como meio de forçar o início do Brexit.
Além do impasse em relação ao bloco, Johnson terá como desafio as atuais tensões no Golfo e a captura pelo Irã, na semana passada, do “Stena Impero”, um petroleiro de bandeira britânica, e de um navio liberiano com carga de uma empresa do Reino Unido. Em Gibraltar, os ingleses haviam detido antes um petroleiro iraniano.
O político também é muito criticado por suas declarações polêmicas. Em diversas ocasiões, foi tachado de racista, homofóbico e machista. No fim de maio, virou manchete depois de ser gravado aos berros com sua namorada, Carrie Symonds, no apartamento dela. A polícia foi chamada por vizinhos que ouviram os sons de louças quebradas, portas batendo e gritos da proprietária: “me larga” e “cai fora do meu apartamento”.
“Ninguém quer ouvir falar disso”, esquivou-se Johnson em entrevista ao vivo no dia seguinte. Desde então, o casal já posou reconciliado em diversas oportunidades.
Carreira
“Bojo”, como também é chamado, é ex-prefeito de Londres e ex-ministro das Relações Exteriores. O conservador, contudo, começou sua carreira como jornalista. Trabalhou no jornal Times of London até ser demitido em 1988, acusado de inventar uma declaração incluída em uma de suas reportagens. Também atuou como correspondente em Bruxelas, onde está a sede da União Europeia, do The Telegraph de 1989 a 1994. Ele também mantém uma coluna nessa publicação.
Johnson ainda tem vários livros publicados – de obras de ficção a uma biografia do ex-primeiro-ministro Winston Churchill. Ele foi eleito para o Parlamento pelo Partido Conservador pela primeira vez em 2001. Em 2008, candidatou-se à prefeitura de Londres e protagonizou uma vitória surpreendente sobre seu adversário trabalhista, o então prefeito Ken Livingstone. Foi reeleito em 2012 e deixou o cargo em 2016 com bons índices de aprovação.
Em dois mandatos na prefeitura, Johnson se notabilizou por obras vistosas, que lhe garantiam espaço na mídia, mas quase sempre estavam destinadas a se tornar elefantes brancos – daí sua fama de resvalar na desonestidade e na inação.
Após Theresa May assumir o cargo de primeira-ministra, Johnson foi nomeado ministro de Relações Exteriores do Reino Unido. A indicação foi criticada por setores da imprensa e líderes estrangeiros por conta de seu histórico de comentários controversos sobre outros povos e culturas. Johnson renunciou ao cargo em julho do ano passado em protesto contra o acordo que May negociava com a União Europeia para o Brexit.
‘Trump britânico’
Seu jeito enérgico, suas declarações polêmicas e seu cabelo loiro despenteado renderam a Johnson muitas comparações com o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. O americano, aliás, é um grande fã do conservador britânico: na última sexta-feira, o republicano disse estar ansioso para trabalhar com seu amigo Johnson.
“Falei com ele ontem. Eu acho que ele fará um ótimo trabalho. Acho que teremos uma ótima relação”, disse Trump a repórteres durante um evento na Casa Branca.
Além das semelhanças física e de personalidade, os dois políticos têm em comum o local de nascimento: Nova York, nos Estados Unidos.
Johnson nasceu no Upper East Side, em junho de 1964. Morou com sua família nos Estados Unidos até os 5 anos, enquanto seu pai, Stanley Johnson, estudava economia na Universidade de Columbia. Posteriormente, a família se mudou para Oxford, na Inglaterra, onde Boris Johnson estudou em um colégio interno e, posteriormente, na Universidade de Oxford.
Johnson reivindicou a sua cidadania americana em 2017, após dizer que os Estados Unidos estavam “tentando atingi-lo” com a cobrança de impostos pela venda de uma casa em Londres. Especialistas concluíram em 2014 que Johnson deve pelo menos 50.000 dólares para o Fisco americano pela transação, sem contar as multas.
Brexit
Personagem excêntrico e polêmico, Johnson provoca profunda animosidade entre os opositores do Brexit. Muitas críticos consideram que sua campanha pela saída do Reino Unido da União Europeia, em 2016, serviu apenas como expressão de suas ambições pessoais.
Johnson se apresenta como o salvador do Brexit – inicialmente marcado para 29 de março, mas adiado para 31 de outubro – e elogia seu próprio “otimismo”: “Onde há vontade, há solução”, diz.
Sem nunca poupar metáforas grandiloquentes, comparou nesta segunda-feira 22 o processo do Brexit ao primeiro passo do homem na Lua. “Se eles conseguiram retornar à atmosfera da Terra, em 1969, com um código informático artesanal, poderemos resolver o problema de um comércio sem atrito na fronteira da Irlanda do Norte”, escreveu ele em sua coluna no Telegraph.
A fronteira na ilha da Irlanda, entre a província britânica da Irlanda do Norte e a República da Irlanda, membro da União Europeia, é o principal obstáculo no processo Brexit. O acordo com os europeus teria o objetivo principal de evitar o retorno das tensões nessa porção do mundo. Além de já ter sido rejeitada pelo Parlamento, a ideia de uma saída da União Europeia sem acordo também não é unânime entre os parlamentares conservadores.
Há dois dias, o ministro das Finanças, Philip Hammond, declarou que faria “tudo” para impedir uma saída sem acordo e depois garantiu que, se Jonhson se tornar primeiro-ministro, apresentará sua carta de renúncia. O secretário de Estado do Reino Unido para a Europa e as Américas, Alan Duncan, renunciou nesta segunda-feira 22 por causa da tendência de vitória do “Trump britânico”.
Controvérsias
A indicação de Johnson como ministro de Relações Exteriores gerou muitas críticas no Reino Unido, principalmente por declarações passadas do conservador que foram tachadas como racistas, homofóbicas e machistas. Em 2013, ao participar do Fórum Econômico Islâmico Mundial, Johnson sugeriu ao primeiro-ministro da Malásia, Najib Razak, que as mulheres malaias que entram em universidades deveriam “encontrar homens para casar” em vez de apenas investir nos estudos.
Em seu livro Friends, Voters, Countrymen, de 2001, o político britânico comparou o casamento gay ao casamento com animais. Escreveu: “Se o casamento gay fosse OK – e eu não tenho certeza sobre o assunto – então não vejo nenhuma razão, em princípio, para que uma união não fosse consagrada entre três homens, bem como entre dois homens ou mesmo entre três homens e um cachorro”.
Em outros momentos, ele também se envolveu em polêmicas por sua opinião sobre o islamismo. Em 2005, Johnson escreveu na revista The Spectator que acreditava ser “natural” para o público ter medo do Islã, por conta do conteúdo do Corão. O livro sagrado dos muçulmanos, explicou ele, “tem o objetivo de provocar”.
Depois do atentado terrorista contra Londres de 2017, Johnson afirmou que o Reino Unido precisava aceitar que o “Islã é o problema”. Em sua autodefesa, ele afirma que alguns de seus comentários foram “totalmente sarcásticos”, enquanto outros foram tirados do contexto.