Netanyahu se nega a parar a guerra, enquanto aliados elevam pressão
Até internamente em Israel, onde a promessa de vitória total sobre o Hamas tinha amplo apoio, o prolongamento do conflito causa desgastes
Prestes a completar quatro meses desde o atentado terrorista em que o grupo palestino Hamas matou 1 200 pessoas, sequestrou mais de 200 e deflagrou uma fulminante reação, com bombardeios e incursões militares diárias na Faixa de Gaza, Israel, ao que tudo indica, se vê diante de um atoleiro.
Pressionado de todos os lados para suspender a mortandade (27 000 até agora) e a devastação do território onde 2 milhões de palestinos vivem à deriva, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu insiste em seguir em frente, sem parar, enquanto não aniquilar totalmente o Hamas. Mas ele está encurralado, como mostram as movimentações dos últimos dias. “O consenso sobre a guerra está se desgastando rapidamente”, afirma Reuven Hazan, cientista político da Universidade Hebraica, de Jerusalém.
Sob o pano de fundo das sondagens para a criação de um Estado palestino, o diretor da CIA, William Burns, reuniu-se com os chefes da espionagem de Israel e Egito e com Tamim bin Hamad al Thani, emir do Catar e mediador do conflito, em avançada negociação por uma trégua de ao menos seis semanas para a troca de reféns por prisioneiros palestinos e a entrada de caminhões de mantimentos. No cenário internacional, onde ecoam críticas à crise humanitária em Gaza, a Corte Internacional de Justiça da ONU, deliberando sobre a denúncia de um suposto genocídio de palestinos levantada pela África do Sul, não ordenou um cessar-fogo, como o governo de Israel temia, mas exigiu que ele tome todas as medidas para prevenir atos genocidas e autorize a entrada de alimentos e remédios (puxão de orelha de um tribunal geralmente depreciado, mas que, nas circunstâncias, reverberou mundo afora). Também foi alvo de acusações de infração de leis internacionais a operação em que militares israelenses, disfarçados de médicos e pacientes, invadiram um hospital na Cisjordânia e mataram três terroristas.
Até internamente, onde a promessa de vitória total sobre o Hamas tinha amplo apoio, o prolongamento da guerra causa desgastes. Mais de 300 000 cidadãos tiveram que deixar suas casas, sobretudo perto da fronteira com o Líbano, alvo diário de morteiros do grupo xiita Hezbollah, e, hospedados em hotéis, se dizem irritados com a falta de respostas do governo. Os familiares dos reféns, por sua vez, realizam manifestações diárias em Tel Aviv e Jerusalém contra o que veem como incapacidade de negociar do primeiro-ministro. Até o gabinete de guerra montado por Netanyahu exibe sinais de tensão: os dois integrantes da oposição que aceitaram participar, generais Benny Gantz e Gadi Eisenkot (que perdeu um filho e um sobrinho nesta guerra), rejeitam a posição de que só a pressão militar levará ao resgate dos prisioneiros e apoiam uma saída negociada. “Netanyahu estende o conflito como estratégia para manter seu governo, mas enfrenta pressão crescente”, diz Mairav Zonszein, analista do International Crisis Group.
Além do aperto direto para que o governo mude o rumo da guerra, vozes de todos os lados alertam para o risco de o conflito se espalhar, insuflado por provocações dos diversos grupos armados plantados no Líbano, na Síria, no Iraque e no Iêmen. Na segunda-feira 29, a Resistência Islâmica no Iraque reivindicou o ataque com drone contra uma base americana na Jordânia, colada à fronteira síria, que matou três soldados, as primeiras baixas americanas, e feriu outros 34 (aparentemente, o artefato foi confundido com outro que retornava à base e por isso não houve interceptação). A explosão se soma a outros 160 atentados contra postos dos Estados Unidos no Oriente Médio, todos impetrados por facções sustentadas pelo Irã, e dificulta ainda mais a posição do presidente Joe Biden, enfraquecido pelo impopular apoio a Israel em pleno ano eleitoral.
O cessar-fogo que a Casa Branca costura prevê a devolução de cerca de 130 reféns (uma centena foi libertada em outra interrupção, de sete dias, em novembro) em troca de prisioneiros palestinos em Israel, em três fases. Na primeira, sairiam idosos, mulheres e feridos. Na segunda, os homens, entre eles o brasileiro Michel Nisenbaum, de 59 anos. Por fim, seriam entregues os soldados e os corpos em poder do Hamas. Os ultrarradicais ministros das Finanças, Bezalel Smotrich, e da Segurança Nacional, Itamar Ben-Gvir, não aceitam outra trégua e manifestaram a intenção de colonizar Gaza com assentamentos judeus e expulsar milhares de palestinos para países vizinhos. Há respingos de água fria, mas ninguém arrisca palpite sobre como e quando — e se — a fervura vai baixar.
Publicado em VEJA de 2 de fevereiro de 2024, edição nº 2878