‘Nixoniano’? Demissão de diretor do FBI é comparada a Watergate
James Comey, afastado do cargo por Donald Trump, era responsável por investigar conexões da campanha republicana com a Rússia

Assim como grande parcela do círculo político de Washington, o diretor do FBI, James Comey, foi pego de surpresa pela notícia de sua demissão, na noite de terça-feira. Segundo o jornal The New York Times, ele discursava a funcionários da polícia quando viu a chamada em uma TV atrás de si – incrédulo, achou se tratar de uma “pegadinha”. Rapidamente, a decisão do presidente Donald Trump passou a levantar comparações com um acontecimento de 45 anos atrás: o escândalo de Watergate.
Ao contrário do magnata, o republicano Richard Nixon, que renunciou antes de um iminente impeachment, nunca afastou o chefe do FBI. A suposta semelhança, porém, faz referência ao dia 20 de outubro de 1973 – o “massacre de sábado à noite” –, quando demitiu um promotor especial independente que investigava o caso Watergate. Archibald Cox era responsável por analisar a ligação do presidente com o assalto à sede do Comitê Nacional Democrata.
O ex-diretor Comey soube que seu afastamento não era uma brincadeira infeliz quando uma carta chegou à sede do FBI. Nela, o presidente diz que a demissão foi recomendada pelo procurador-geral Jeff Sessions e escreve: “Apesar de eu apreciar que você me informou, em três ocasiões, que não estou sob investigação, concordo com o julgamento do Departamento de Justiça de que você não é efetivamente capaz de comandar o escritório”. Sua justificativa copia a sugestão de Sessions, em carta a Trump, de que uma “nova liderança” é necessária para restaurar a confiança do público.
Read President Trump's letter dismissing FBI Director James Comey https://t.co/cpCRJPCg2U pic.twitter.com/TQpJhqkFbD
— CNN (@CNN) May 9, 2017
Assim como Cox tinha nas mãos o destino de Nixon, Comey era uma ameaça a Trump. Era dele a responsabilidade de verificar potenciais contatos da campanha do republicano ao governo da Rússia que, segundo a CIA, tentou interferir em seu favor na eleição de novembro. Comitês de inteligência do Congresso já investigavam o envolvimento russo no pleito quando, em março, Comey fez sua afirmação mais categórica sobre o assunto: “O FBI está investigando a natureza de qualquer ligação entre indivíduos associados à campanha de Trump e o governo da Rússia e se houve coordenação entre a campanha e os esforços russos”.
A demissão de Comey levantou dúvidas não só pela motivação, mas também por ser inusitada: ele estava há três anos em um cargo que costuma ser ocupado por uma década. O mandato longo estabelecido pelo Congresso serve, exatamente, para evitar envolver o diretor em pressões políticas. Comey foi o segundo da história a ser afastado antes do prazo – o primeiro foi William S. Sessions, por Bill Clinton, em 1993, acusado de uso impróprio de dinheiro público. Com a saída de Comey, o FBI passa a ter um coordenador interino, até que o presidente faça uma indicação, que precisa ser confirmada pelo Senado.
Nixoniano
A desconfiança no entorno da demissão de Comey foi suficiente para iniciar a comparação com o “massacre de sábado” por parte de políticos democratas e, claro, das redes sociais. “Isto é nixoniano (nixonian)”, declarou Bob Casey, senador democrata pela Pensilvânia. Patrick Leahy, representante por Vermont, repetiu a expressão e disse que a demissão ocorreu “em meio a uma das investigações de segurança nacional mais críticas da história”.
As referências ao Wartergate viralizaram de tal forma que a Biblioteca Richard Nixon, na Califórnia, jogou uma indireta: “CURIOSIDADE: o presidente Nixon nunca demitiu um diretor do FBI #DiretordoFBI #nãoNixoniano”
FUN FACT: President Nixon never fired the Director of the FBI #FBIDirector #notNixonian pic.twitter.com/PatArKOZlk
— RichardNixonLibrary (@NixonLibrary) May 9, 2017
Mesmo em menor número, republicanos também se viraram contra o presidente. John McCain, ex-adversário de Trump em primárias, disse que o “timing da demissão é profundamente preocupante”. O mesmo foi dito por Richard Burr, presidente do comitê de inteligência do Senado, que considera o afastamento “uma perda para o FBI e para a nação”.
No editorial desta quarta-feira, o Times ressaltou preocupação com o futuro de investigações imparciais e com “a credibilidade da democracia mais antiga do mundo”. “O presidente Trump colocou grave dúvida sobre a viabilidade de qualquer investigação sobre o que pode ser um dos maiores escândalos políticos do país”, publicou o jornal.
Em resposta às críticas, Trump afirmou que Comey fazia um trabalho ruim e, por isso, será substituído por “alguém que fará melhor” e trará de volta “o espírito e o prestígio do FBI”. Mais uma vez, o presidente reclamou da oposição via Twitter. Diversos democratas pediram o afastamento de Comey durante a campanha presidencial, por ter reaberto a investigação de e-mails do partido pouco antes do pleito. Até hoje, o ex-diretor é citado nominalmente por Hillary Clinton como uma das razões de sua derrota. “Os democratas disseram algumas das coisas mais horríveis sobre James Comey, incluindo o fato de que deveria ser demitido, e agora se fazem de tristes”, escreveu Trump no Twitter.
The Democrats have said some of the worst things about James Comey, including the fact that he should be fired, but now they play so sad!
— Donald J. Trump (@realDonaldTrump) May 10, 2017