Um velho provérbio diz que não há mal que dure para sempre. Por mais que o horror do novo coronavírus continue a produzir tragédias cotidianas, a tempestade vai passar — e que seja logo. Como será quando esse dia chegar? Poucos países, talvez nenhum, podem servir de inspiração para o futuro que sonhamos quanto a Nova Zelândia. A nação de 5 milhões de habitantes encravada no Oceano Pacífico é, de fato, um caso raríssimo no mundo. No dia 30 de março, registraram-se entre os neozelandeses apenas dois casos de contaminação. O Brasil, com uma população quarenta vezes maior, identificou, na mesma data, 84 000 contágios, multiplicando, portanto, a marca da Nova Zelândia por 42 000 vezes. Desde o início da crise, o país da Oceania teve 26 mortes. A penúltima foi em setembro de 2020. A última em fevereiro passado.
Números como esses autorizaram a volta ao velho normal. Os restaurantes e bares estão cheios. As baladas ficaram agitadas como antes da pandemia. Eventos esportivos têm lotação máxima. Nos hotéis, os hóspedes deram o ar da graça novamente. Escolas, parques, museus, shoppings, repartições públicas, empresas de qualquer ramo, absolutamente tudo retornou ao pleno funcionamento, sem nenhum tipo de restrição. O uso de máscaras é sugerido — não obrigatório — apenas em transportes públicos e aviões. Cidades como Auckland, Christchurch e Queenstown foram palco recentemente de grandes eventos carnavalescos que reuniram nas ruas milhares de foliões, muitos deles brasileiros que vivem na Nova Zelândia. Ninguém tem medo de aglomerações, ou de abraçar, beijar e dar as mãos. Para a maioria das pessoas, é reconfortante retomar os gestos que foram rebaixados na crise do coronavírus. Agora, eles podem ser desfrutados sem limitações.
O cenário atual é reflexo, sobretudo, da resposta rápida da primeira-ministra Jacinda Arden assim que os primeiros sinais do vírus surgiram no país. Em março de 2020, quando o mundo ainda não tinha a dimensão dos estragos que viriam, Jacinda fechou as fronteiras e estabeleceu um dos lockdowns mais rígidos do planeta. Foram seis semanas de total isolamento. Nesse período, até os aeroportos pararam de funcionar e nem sequer voos domésticos foram permitidos. Como era de esperar, as medidas enérgicas geraram alguma insatisfação, mas a primeira-ministra respondeu com um pacote generoso de socorro financeiro, de aproximadamente 50 bilhões de reais, que chegou a todas as frentes, dos trabalhadores aos pequenos empresários. Obedientes aos desígnios do governo, os neozelandeses trancarem-se em casa e, assim, impediram que o vírus se alastrasse. Foi duro por um tempo, mas agora os país colhe os bons frutos.
Sim, derrotou, mas permanece atento. As fronteiras do país continuam com severas limitações. No início de 2020, antes da crise, 17 500 passageiros internacionais desembarcavam todos os dias na Nova Zelândia. Um ano depois, o número caiu para 400. A ideia é evitar o contato com estrangeiros e potenciais transmissores do vírus. Isso explica por que a maior parte dos contágios diz respeito a pessoas que de alguma forma transitaram pelas chamadas zonas fronteiriças, como aeroportos e portos.
Jacinda se mantém firme. Ela disse que não abrirá completamente as fronteiras enquanto a população não estiver 100% vacinada, o que não deve demorar muito diante dos milhões de doses encomendadas de empresas como AstraZeneca e Pfizer. A Nova Zelândia venceu, mas é preciso dizer que sua condição geográfica foi um fator decisivo. O país é formado por duas grandes ilhas, o que por si só facilita o isolamento social. Além disso, são apenas 5 milhões de habitantes, menos do que a cidade do Rio de Janeiro. Ainda assim, é inegável que o país da Oceania deu uma bela e valiosa lição para o mundo.
Publicado em VEJA de 7 de abril de 2021, edição nº 2732