A Itália e a Alemanha encontram-se no centro de um curioso imbróglio artístico muito controverso: a posse da escultura de mármore “Lancellotti Discobolus”, adquirida por Adolf Hitler, em 1938, apenas um ano antes da eclosão da II Guerra Mundial (1939-1945). A estátua de um homem musculoso prestes a lançar um disco é uma réplica de uma obra de mesmo nome esculpida em bronze por volta de 450 a.C., e teria sido escolhida pelo idealizador do nazismo para representar o ideal de pureza ariana.
Antes de parar nas suas mãos, a escultura compunha o acervo do Palazzo Massimo Lancellotti, em Roma. Às vésperas do sangrento conflito, o fascista italiano Benito Mussolini teria pressionado a família Lancellotti a vendê-la ao Führer, em uma tentativa de agradá-lo. O negócio foi fechado em 16 milhões de libras (cerca de R$ 100 milhões).
A obra ficou exposta na Gliptoteca de Munique, museu focado na preservação de esculturas, como um “presente” de Hitler à população. O fim da guerra e a consequente queda do líder nazista, no entanto, colocaram mais de 915 quilômetros de distância entre a escultura e os alemães.
O artefato foi incluído na lista de obras de arte saqueadas por Berlim a serem devolvidas aos seus proprietários originais. Mas a decisão, tomada há mais de meio século, tornou-se fonte de dor de cabeça para a Itália contemporânea.
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O polêmico pedido
A disputa esquentou em uma troca de cartas entre o diretor do Museu Nacional Romano, Stéphan Verger, e o diretor da Gliptoteca de Munique, Florian S. Knauß, divulgada pelo jornal diário italiano Corriere della Serra. Na ocasião, Verger solicita ao colega a devolução da base de mármore do “Discobolus”, sob posse alemã. A resposta não só foi negativa, como demonstrou a indignação de Knauß.
“Não estou em posição de abandonar a nossa reivindicação legal pela devolução do lançador de disco ao nosso museu. A escultura foi comprada legalmente pelo Estado alemão depois de ser oferecida ao Metropolitan Museum de Nova York”, escreveu.
“As instituições italianas no poder na altura concordaram com a exportação. Não foi sequer um ‘presente’ para Adolf Hitler. A repatriação para a Itália violou a lei, de acordo com o parecer jurídico do Estado bávaro e do nosso museu”, finalizou.
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A reação à la italiana
Diante do pedido formal do diretor alemão, que luta pelo devolução, o ministro da Cultura da Itália, Gennaro Sangiugliano, esbravejou: “eles teriam que passar por cima do meu cadáver” para conseguir o retorno da peça, acrescentando que a situação era “inaceitável”.
“[A escultura] Foi adquirida de forma fraudulenta pelos nazistas e faz parte do nosso patrimônio nacional”, contrapôs. “A obra absolutamente deve permanecer na Itália porque é patrimônio da nação. Acho que a Ministra Federal da Cultura, Claudia Roth, nada sabe sobre isso. E tenho certeza de que a cooperação entre a Alemanha e a Itália, que já é excelente em tantos campos, também melhorará no campo cultural futuramente.”
Há quem defenda que a devolução da obra à Alemanha é uma forma de passar pano sobre o capítulo mais sombrio da história do país, marcado pelo Holocausto. Ao todo, cerca de 6 milhões de judeus foram brutalmente assassinados em câmaras de gás do regime nazista. A Itália parece não fugir do embate, e garante que vencerá o imbróglio. A ver.