O inacreditável aconteceu: na Itália de Benito Mussolini, o ditador fascista que se aliou a Hitler na II Guerra — uma passagem infame da história que se julgava banida para sempre —, a política Giorgia Meloni, 45 anos, nascida e criada na trincheira dos herdeiros do neofascismo, ganhou a eleição de setembro com 26% dos votos e se tornou primeira-ministra. Por mais que tente agora se afastar de suas origens — “Nunca tive simpatia ou proximidade com regimes antidemocráticos, fascismo incluído”, declarou recentemente —, Meloni demonstrou claros vínculos com a extrema direita do passado e do presente na insistência no lema “Deus, pátria e família”, nos colegas de coalizão Matteo Salvini, da Liga, e Silvio Berlusconi, da Força Itália, e na nomeação de ministros de passado reprovável, de dentro e de fora de seu partido, Irmãos da Itália, que até hoje tem seu QG no prédio do Movimento Social Italiano, montado no pós-guerra para preservar as ideias de Mussolini e dissolvido nos anos 1990.
Pouco antes de Meloni, outro orgulhoso representante da ultradireita, Jimmie Akesson, comemorou a subida de sua legenda, Democratas Suecos (que de democrata não tem nada), à posição de segunda maior força do país e aliada crucial da coalizão de governo da Suécia, o berço do Estado do bem-estar social, hoje em mãos do populismo nacionalista. As duas vitórias consolidam uma tendência que já se enxerga em boa parte dos países da Europa há alguns anos: a saída da extrema direita das sombras para o palco central da política partidária, uma guinada que não é exclusiva do continente, mas que lá se anuncia especialmente assombrosa, pelo tanto que sofreu e sangrou sob o nazismo.
No cerne da ascensão da direita radical está a aversão aos imigrantes, culpados em toda parte pela deterioração social e aumento da criminalidade. Tanto Meloni quanto Akesson assinam embaixo da grotesca teoria de uma conspiração para suplantar os brancos europeus com uma maioria de estrangeiros alheios às suas raízes culturais. Não por acaso, um dos primeiros gestos de Meloni — que defende um “bloqueio naval” no Mediterrâneo contra imigrantes — foi impedir que um barco com 234 desesperados recolhidos do mar, entre eles crianças, atracasse em portos italianos. Depois de passar dias em águas próximas à Sicília, o barco recebeu permissão para desembarcar os passageiros na França.
Publicado em VEJA de 28 de dezembro de 2022, edição nº 2821