O futuro da imigração europeia após o Brexit
O Reino Unido insiste em manter uma posição dura na mesa de negociações, mas a imigração na UE pode ser apenas moeda de barganha na mão dos britânicos
A inglesa Catherine, de 50 anos, mora há 14 em Barcelona, na Espanha. Decidiu sair de seu país natal porque queria se sentir “europeia de verdade”, desviar da impressão geral entre os britânicos de que o restante dos cidadãos do continente eram apenas “estrangeiros”. Porém, o sonho da editora e professora agora se encontra ameaçado.
Desde que se iniciaram as negociações para o divórcio entre o Reino Unido e a União Europeia, muito se fala sobre o destino dos mais de 1 milhão de imigrantes britânicos vivendo no continente, além dos 3,5 milhões de europeus que moram no Reino Unido atualmente. Na última rodada de negociações, em meados de julho, não houve qualquer progresso sobre o tópico.
Catherine, assim como muitos outros imigrantes europeus, teme pelo seu futuro. “Eu pago para usufruir da saúde e outros serviços públicos aqui. Mas tenho mais medo de perder meu direito à aposentadoria”, diz a britânica, que acredita ter um contrato de trabalho seguro em um mercado no qual há grande demanda por profissionais fluentes em inglês, mas não pode dizer o mesmo sobre o benefício laboral. “Não há garantias de que pessoas da minha idade ou mais novas receberão uma aposentadoria adequada, seja aqui na Espanha ou no Reino Unido”, lamenta a professora, que contribuiu durante grande parte de sua carreira para o governo espanhol.
A União Europeia já fez aos britânicos uma proposta bastante nobre: manter os mesmos direitos e nível de proteção que seus cidadãos e imigrantes desfrutam atualmente, desde que os europeus vivendo no Reino Unido tenham o mesmo direito após a saída do bloco. Isto é, se a oferta for aceita, o acesso à assistência social e outros direitos continuarão a existir e serão regidos pelas atuais regras de livre circulação da UE. “No entanto, o Reino Unido não parece estar na mesma página e continua relutante em aceitar a oferta tão generosa”, diz o consultor do Centro Europeu de Políticas, o francês Yves Pascouau.
A primeira ministra Theresa May e outros membros do governo inglês insistem que o livre movimento de pessoas entre seu país e a UE irá acabar em março de 2019, quando o Brexit deve se concretizar definitivamente. Segundo o ministro da imigração britânico Brandon Lewis, um novo sistema de imigração será introduzido logo após o divórcio e espera-se que a imigração diminua para “níveis sustentáveis”.
O fim da livre circulação, que permite aos cidadãos europeus viverem e trabalharem em qualquer país do bloco, usufruindo dos sistemas públicos de educação, saúde e aposentadoria, teria um impacto direto na economia britânica, principalmente na força de trabalho local. Segundo uma pesquisa da Federação de Pequenas Empresas, uma em cada cinco pequenas empresas do Reino Unido emprega funcionários europeus. Um dos setores mais afetados seria o da construção civil, que pode perder 8% de sua força de trabalho.
“Moeda de barganha”
Para a maioria dos especialistas, porém, nada disso será uma preocupação, já que o Reino Unido estaria usando o tema da imigração e da livre circulação apenas como “moeda de barganha” a fim de garantir a manutenção de outros direitos que lhe interessam após a saída do bloco, como a preservação do livre comércio com barreiras aduaneiras mínimas e das políticas de segurança e cooperação internacional.
“Uma vez que o Reino Unido precisa do acesso ao Mercado Comum e seu mercado de trabalho também necessita de força operária, é muito improvável que ao final das negociações o país imponha as mesmas regras sobre os cidadãos da UE que aplica para imigrantes de países terceiros”, diz Christof Roos, professor de governança europeia na Universidade Vrije, de Bruxelas. “A reciprocidade também será aplicada. Qualquer que seja o acordo para os cidadãos da UE no Reino Unido será o acordo para os britânicos na Europa”, tranquiliza o belga.
O consenso parece ser, portanto, que Theresa May não seguirá com sua ameaça implícita de deportar europeus após o Brexit. Espera-se que a oferta generosa do bloco seja mantida e garanta o mesmo direito aos cidadãos britânicos, possibilidade que se tornou ainda mais forte após a derrota da primeira-ministra nas eleições parlamentares de junho e a consequente perda de influência política de seu partido no país.
Especula-se até mesmo que as novas políticas imigratórias a serem instaladas no Reino Unido poderiam conceder vistos especiais para imigrantes europeus entre 18 e 30 anos viverem e trabalharem no país, similar ao que já acontece com cidadãos na mesma faixa etária do Canadá, Austrália e Nova Zelândia.
Apesar das muitas expectativas, a insistência britânica em não deixar de lado sua moeda de barganha ainda traz muita insegurança, principalmente aos imigrantes que estão longe de seu país, como Catherine. “Por enquanto, as duas ofertas na mesa estão muito distantes uma da outra e a saída do processo ainda permanece imprevisível”, diz o francês Yves Pascouau.
O que o resto da UE tem a dizer?
As negociações do Brexit são comandadas do lado europeu pelo ex-ministro francês Michel Barnier. Ele representa a voz da Comissão Europeia e dos outros 27 países do bloco na mesa de conversas que definirão o futuro da UE sem o Reino Unido.
As nações europeias concederam a Barnier o mandato absoluto sob as negociações e, portanto, não interferem diretamente no que é discutido. Até o momento, a França não expressou nenhuma resposta específica sobre o tema da imigração após o divórcio, assim como a Espanha, cujo governo se limitou a dar declarações sobre sua soberania no território de Gibraltar.
A chanceler alemã Angela Merkel foi mais agressiva em suas declarações e insiste que o Reino Unido não pode esperar somente benefícios dessa separação. “Se o governo britânico acabar com a livre circulação de pessoas, pagará seu preço”, disse em maio, antes do início das negociações.
No entanto, no que diz respeito às políticas nacionais de imigração, grande parte dos especialistas acreditam que o Brexit não terá qualquer influência sobre o futuro dos mais de 1 milhão de imigrantes britânicos vivendo no continente. “Esta é principalmente uma questão de livre circulação de pessoas e cooperação econômica, e não de imigração nacional”, diz Mareike Kleine, professora da London School of Economics and Political Science.