Pela primeira vez em 200 anos um imperador do Japão abdicou do trono. Aos 85 anos, sua majestade Akihito, quinto filho de Hiroito, deixou o posto na terça-feira 30, em favor do filho, Naruhito, em razão de problemas de saúde — em 2002 ele foi diagnosticado com câncer de próstata. No dia seguinte, na cerimônia de entronização, havia um silêncio solene emoldurado por pompa. Camareiros imperiais puseram sobre pequenas mesas os símbolos da realeza: a espada Kusanagi-no-Tsurugi e a joia Yasakani-no-Magatama. Tudo muito bonito, extremamente delicado, uma celebração do encanto das tradições milenares orientais. Tudo certo, não fosse pela aberração de um costume, antiquíssimo, é claro, mas completamente desconectado dos dias de hoje: o papel secundário destinado às mulheres. Louvou-se a presença de Satsuki Katayama, membro do gabinete do primeiro-ministro Shinzo Abe, a primeira mulher na história convidada a participar do evento de ascensão. E, no entanto, ecoou uma nota dissonante — a imperatriz Masako, de 55 anos, casada com Naruhito, teve de ficar do lado de fora, porque assim manda a Lei da Casa Imperial. As mulheres não podem reinar, são apêndices do marido. Em 2017, quando o Parlamento aprovou o pedido do direito à abdicação do imperador, foi anexado um adendo em que se sugeria que elas aparecessem em possíveis linhas sucessórias, interrompendo o costume machista — mas esse capítulo ficou apenas na promessa. E dá-se agora um problema demográfico que a foto acima resume, como metáfora do Japão — na lista de herdeiros do trono, exclusivamente masculina, há apenas três pessoas: um tio idoso de Naruhito, de 83 anos (na cadeira de rodas); um irmão de 53 anos (em pé); e um sobrinho de 12, que não foi à festa porque ainda é menor de idade. Naruhito tem uma única filha.
Publicado em VEJA de 8 de maio de 2019, edição nº 2633
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