Logo antes de deixar o palco onde se firmou como uma das mulheres mais bem-sucedidas na história dos regimes democráticos, Angela Merkel admitiu, em seu estilo sem voltas profundamente alemão, que não ia ser “nada fácil ver minhas tarefas executadas por outra pessoa”. A frase, pronunciada pela chanceler que comandou a Alemanha por dezesseis elétricos anos tornando-se uma das vozes mais respeitadas do mundo, é compreensível: sua temporada no poder envolveu desafios do quilate de capitanear uma das maiores economias do planeta quando o sistema financeiro global derretia, manter a União Europeia de pé depois da ferida aberta pelo Brexit e, agora, brigar pela liberação de um pacote trilionário que já suaviza os estragos da pandemia no caixa dos países da UE. Sob suas rédeas, a Alemanha enriqueceu e abraçou para valer a agenda ambiental deste século.
Aos 67 anos, conhecida como Mutti (mãe em alemão), pelo temperamento calmo com que teceu costuras diplomáticas cedendo daqui e dali — às vezes até demais —, compensou no pragmatismo o que lhe faltou em carisma. Com a proximidade da aposentadoria, anunciada em 2018, a política nascida na banda oriental do país e guindada ao picadeiro do poder por Helmut Kohl, o líder da reunificação após a queda do Muro de Berlim, deu sinais de começar a baixar a guarda, como quando se deixou fotografar rodeada de pássaros silvestres por todos os lados. Merkel sai de cena desocupando a liderança da Europa, ainda sem um nome à altura para exercê-la. Candidatos há, porém ninguém com sua força. Do lado alemão, o novo chanceler, Olaf Scholz, do Partido Social-Democrata, não mostrou em sua já longa estrada sob os holofotes — foi ministro das Finanças e vice-chanceler na coalizão com a União Democrata (CDU) de Merkel — as qualidades que fizeram sua antecessora mudar as feições do continente.
Publicado em VEJA de 29 de dezembro de 2021, edição nº 2770