Fortaleça o jornalismo: Assine a partir de R$5,99
Continua após publicidade

O verão chegou ao Hemisfério Norte: a ordem do dia é cair na farra

Os jovens, isolados por tanto tempo e agora vacinados, partem para a balada com ânimo renovado, típico de momentos que sucedem às grandes crises

Por Julia Braun Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 13h15 - Publicado em 6 ago 2021, 06h00

A Paris dos anos 1920 virou um luminoso cartão-postal da euforia que se seguiu aos tempos sombrios da I Guerra Mundial e da gripe espanhola, período que abateu toda uma juventude — a Geração Perdida, como se referiu a ela, em seu Paris É uma Festa, o escritor americano Ernest Hemingway, que ali viveu intensamente quando tudo voltava a fervilhar. As feridas recentes, as prolongadas privações e a ideia de que nunca fora tão vital aproveitar o aqui e agora marcaram uma época em que as vanguardas reviraram a arte do avesso e os cafés eram o vibrante cenário de uma sociedade que avançava a passos largos. Os Loucos Anos 20, como entraram para a história, compõem um padrão que o sociólogo americano Nicholas Christakis, da Universidade Yale, descreve em seu recém-lançado Flecha de Apolo: O Impacto Profundo e Duradouro do Coronavírus na Maneira como Vivemos, no qual tece uma reflexão sobre os desdobramentos da pandemia: “Traumas coletivos, como pestes e guerras, costumam ser sucedidos por um forte movimento de retomada da vida, gerando progresso, como deve ocorrer neste caso”, falou a VEJA.

PAZ E AMOR - Nova York: reencontros em clima praiano em pleno Central Park -
PAZ E AMOR - Nova York: reencontros em clima praiano em pleno Central Park – (Alexi Rosenfeld/Getty Images)

Nas últimas semanas, a tendência humana a dar vazão ao alívio e festejar se pronunciou em grandes cidades dos Estados Unidos e da Europa, onde o arrefecimento nas curvas de contágio e mortes por Covid-19 e a expansão dos vacinados vêm alimentando um otimismo, especialmente entre os jovens, que são menos dados a calcular riscos e querem extrair o máximo deste verão. Com ou sem máscara no rosto, a depender da metrópole, eles têm lotado restaurantes, bares e boates agora abertos, mesmo que com novas regras, para lá de necessárias num momento em que a praga da vez ainda não foi debelada. No Reino Unido, a temporada das baladas estreou oficialmente em 19 de julho — logo apelidada de Freedom Day (o dia da liberdade) — com a volta à ativa de espaços de lazer e o fim da limitação de pessoas em shows e eventos esportivos. Era tamanha a ansiedade pelo gostinho de retorno à normalidade que, horas antes de os ponteiros cravarem a meia-noite daquele 19 de julho, multidões se enfileiravam em frente aos pubs. “Todo mundo quer dançar, reencontrar amigos e conhecer gente”, resume a inglesa Amelia Kaye, 24 anos, que engatou em uma programação frenética.

O que se observa no Hemisfério Norte faz parte de um mecanismo humano que a psicologia já descreveu: quanto maior a privação, mais intensa a urgência em supri-la. “A juventude é uma etapa de busca incessante da liberdade, da experimentação, mas isso ficou em suspenso e, agora, vê-se uma verdadeira corrida pelo tempo perdido”, ressalta o psicólogo Marcelo Santos, da Universidade Mackenzie. O modo acelerado dos jovens nessa direção embute um componente hedonista — da procura constante pelo prazer extremo à negação do que causa dor. “Do ponto de vista da filosofia de Platão, perseguir o prazer a todo custo pode ofuscar o bom senso, criando uma espécie de cegueira diante da realidade”, pontua o cientista social Paulo Ramirez. Pois se por um lado os dados da pandemia já permitem enxergar uma porta de saída, de outro eles sinalizam que não dá para baixar a guarda. Especialistas andam preocupados sobretudo com a ultracontagiosa variante Delta. O próprio prefeito de Nova York, Bill de Blasio, que promete para 21 de agosto um mega-show gratuito com nomes como Bruce Springsteen em pleno Central Park — uma das atrações de “O VERÃO DE MANHATTAN” (com letras maiúsculas) —, voltou a recomendar, por precaução, o uso de máscara em locais fechados.

Continua após a publicidade
VIVA A VIDA - Parisienses redescobrem o prazer de um bom café e a brasileira Nayara curte Barcelona: “Aproveitando a normalidade” -
VIVA A VIDA - Parisienses redescobrem o prazer de um bom café e a brasileira Nayara curte Barcelona: “Aproveitando a normalidade” – (Kay-Paris Fernandes/Getty Images/Arquivo pessoal)

Para uma parcela da juventude, um dos escaninhos deixados vazios pelo isolamento foi o dos relacionamentos, o que fez emergir uma onda de solidão, ansiedade e, por vezes, depressão. É natural que, com a reabertura, os hormônios voltem a tomar as rédeas. Segundo uma pesquisa realizada pelo aplicativo de namoros Bumble, sete em cada dez solteiros londrinos (65% deles plenamente imunizados) comparecem a até quatro encontros semanais, enquanto a venda de camisinhas dispara e “festas-fetiche” recebem convidados em trajes íntimos por toda a cidade. Em Barcelona, o botellón, costume de beber e celebrar na rua, regressou com força total, mesmo com a norma que impede a circulação entre 1 e 6 da manhã. “Já tomei as duas doses da vacina e estou aproveitando o clima de normalidade”, entusiasma-se a brasileira Nayara da Silva, 28 anos, que mora na Irlanda e resolveu passar as férias na Catalunha.

O passaporte sanitário, documento que atesta se a pessoa foi vacinada, deu gás à balada, embora uma turma jovem veja a medida como uma invasão na vida privada. Há os que preferem apresentar um exame negativo para o novo coronavírus. De todo modo, são ferramentas imprescindíveis para garantir a segurança na cena noturna de centros como Berlim, agitado pelos clubes de música eletrônica em torno da estação Warschauer Straße, e Paris, onde em cafés, bares e danceterias é difícil arrumar cadeira e ingresso. Após um ano e meio de pandemia, Manhattan experimentou uma transformação demográfica, em que uma fatia da população mais velha foi se mudando para cidades menores e os jovens, atraídos justamente pelo oposto, ficaram, alugaram imóveis a preços mais baixos, matricularam-se na universidade (a procura subiu até 50%), trocam beijos de montão e perambulam com shorts de cintura baixa deixando o umbigo à mostra. O Central Park, a “praia” da Big Apple, é palco hoje de um verão diferente.

Continua após a publicidade
EUFORIA - Carnaval de 1919 no Rio: celebração intensa pós-gripe espanhola -
EUFORIA - Carnaval de 1919 no Rio: celebração intensa pós-gripe espanhola – (Acervo IMS/.)

Muitas sociedades em diversos tempos emergiram de longas crises propensas a ir em busca da genuína felicidade e mais dispostas a assumir riscos. O fim da quarentena imposta pela letal peste negra do século XIV foi celebrado, segundo historiadores, com “fornicação selvagem” e “alegria histérica”, ao mesmo tempo que tornou os europeus mais aventureiros, dando impulso às grandes navegações. No Brasil, o animadíssimo Carnaval carioca de 1919, pós-gripe espanhola, foi assim descrito por um cronista da época: “A alegria transbordou triunfalmente, como uma enorme vingança da vida imortal contra os horrores que a quiseram escurecer”. É este o espírito que o sociólogo Christakis, de Yale, enuncia em seu livro, fazendo a ressalva: “Ainda precisamos aguardar um pouco para ver se desenrolar o ciclo completo da euforia e do avanço”. Quanto maior a espera, mais doce será o beijo.

Publicado em VEJA de 11 de agosto de 2021, edição nº 2750

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Black Friday

A melhor notícia da Black Friday

BLACK
FRIDAY

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de 5,99/mês*

ou
BLACK
FRIDAY
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba 4 Revistas no mês e tenha toda semana uma nova edição na sua casa (menos de R$10 por revista)

a partir de 39,96/mês

ou

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$71,88, equivalente a 5,99/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.