Os desafios de Joe Biden para vencer Donald Trump
O pré-candidato ganha nova rodada de primárias e consolida sua dianteira na disputa pela candidatura democrata
Até aqui, a trajetória de Joe Biden, 77 anos, o ex-vice de Barack Obama que quer duelar pela Presidência dos Estados Unidos com Donald Trump, foi repleta de sacolejos, muitos declives e uma reviravolta que finalmente tirou as hostes do Partido Democrata de um certo estado de letargia. É verdade que o único rival ainda no páreo pela vaga democrata, o senador Bernie Sanders, chegou a despertar algum ânimo no eleitorado, mas com um porém decisivo para os humores americanos: caminhando à esquerda no leque ideológico em um país que pende invariavelmente para o liberalismo, ele vem perdendo a cada nova primária o ímpeto nesta corrida já abandonada por duas dezenas de aspirantes nos últimos meses. Pois Biden, que chegou a ser desacreditado a ponto de ingressar no anedotário político (Trump o apelidou jocosamente de “dorminhoco”, em alusão aos eventuais cochilos em público), emitiu na rodada de votações de terça-feira 10 sinais contundentes de que é o nome mais palatável — e o único — para disputar a dificílima contenda presidencial.
A escalada de Biden começou uma semana antes, na Superterça, que lhe deu vitória em dez de quinze estados. Agora, ele ganhou em quatro de seis primárias e consolidou sua vantagem: está com 823 delegados (160 mais que Sanders). Sim, ainda falta chão até garantir a metade dos 3 979 votos necessários para conquistar a vaga de candidato à Casa Branca, processo que deve se arrastar até junho. Mas, se não esbarrar com nenhum grande imprevisto, será ele o desafiante de Trump. Atualmente vários fatores conspiram a favor de Biden na gangorra eleitoral — a começar pelo fato de estar conseguindo fazer com que os democratas saiam de casa para votar. Em Michigan — estado, aliás, que deu vitória a Sanders contra Hillary Clinton no pleito de 2016 e agora sagrou Biden —, o número de pessoas que foi às urnas subiu 40% em relação a quatro anos atrás. Uma lupa demográfica mostra que ele arregimentou apoiadores até em áreas onde Sanders contava com o voto dos jovens para avançar. “Há uma forte tendência ao voto centrista nestas eleições, que é o que Biden simboliza”, observa o professor de ciências políticas John Tures, da LaGrange College, na Geórgia.
A batalha contra Trump não será trivial. Embora a rejeição do atual dono da cadeira ultrapasse os 50%, ele pode apregoar vistosos indicadores econômicos — ao menos até a fissura provocada pelo coronavírus chacoalhar os pilares conhecidos. Mas Biden tem bem guardados dois trunfos com potencial de se revelar decisivos: ele é a escolha número 1 entre os negros, que compõem um terço do eleitorado americano, e ainda está conseguindo empolgar uma ala conservadora da população, que em 2016 preferiu Trump e se decepcionou com seus arroubos no Twitter e a falta de reformas sólidas. É significativo que Biden tenha se saído bem nos subúrbios mais abastados onde esse contingente se concentra.
O teste do Meio-Oeste americano, vencido agora por Biden, costuma ser um bom balizador das chances eleitorais. A região de 65 milhões de habitantes que encontra o Canadá ao norte e o Texas ao sul foi crucial para o sucesso de Trump nas urnas. Até a década de 90, era o motor da economia dos Estados Unidos por seu vigoroso parque fabril, mas acabou perdendo a proeminência com a debandada de montadoras de automóveis e siderúrgicas que migraram em busca de mão de obra mais barata em outros países. Virou então o “cinturão da ferrugem”. Nessas cidades depauperadas Trump enxergou uma excelente oportunidade eleitoral. Pôs a culpa da decadência no colo da elite política de Washington e prometeu reavivar a área. Está devendo uma revitalização de verdade, o que é bom para Biden.
Publicado em VEJA de 18 de março de 2020, edição nº 2678