Os planos mirabolantes e nucleares de Putin para a Rússia
Com fôlego na economia e exibição de estratégias militares, o líder russo vem mostrando força em meio à agonia da guerra na Ucrânia
Reportagem publicada em VEJA mostrou que, em meio à agonia da invasão da Ucrânia, o presidente russo, Vladimir Putin, não tem do que reclamar. Seu mais conhecido e influente opositor, o advogado Alexei Navalny, morreu na cadeia em circunstâncias que seriam misteriosas, não fosse a certeza geral de que houve interferência da mão pesada do Kremlin. A resistência militar ucraniana, assolada por estratégias equivocadas e pelo fechamento da torneira da ajuda americana, parece estar desmoronando. A economia, por sua vez, que deveria dar sinais de estrangulamento devido à chuva de sanções dos Estados Unidos e da Europa, encontrou outros parceiros, deu a volta por cima e voltou a crescer, o que contribui tanto para financiar a caríssima “operação militar” na Ucrânia quanto para atenuar qualquer descontentamento da população. Faltando poucos dias para uma eleição presidencial praticamente ganha, entre 15 e 17 de março, o seriíssimo Putin, não por acaso, vem esboçando, em entrevistas e encontros cuidadosamente orquestrados em fábricas e sedes de associações, mais sorrisos do que nunca.
No fim de fevereiro, ele afirmou que 95% das forças nucleares estratégicas do país foram modernizadas. Durante discurso para marcar o Dia Anual do Defensor da Pátria, que celebra as Forças Armadas, garantiu que sua “tríade nuclear”, armas de ataque por terra, ar e mar, é robusta e acaba de ser fortalecida por quatro novos bombardeiros supersônicos capazes de transportar ogivas atômicas. O pronunciamento de Putin ocorreu um dia depois dele ter pilotado um bombardeiro estratégico Tu-160M, com capacidade nuclear, que também foi modernizado. Na véspera do segundo aniversário da guerra na Ucrânia, que foi invadida em 24 de fevereiro de 2022, o líder russo elogiou os soldados que participaram da “operação militar especial”, qualificando-os como heróis que lutam pela “verdade e justiça”. Ele fez uma homenagem aos que morreram no campo de batalha, depositando uma coroa de flores no túmulo do soldado desconhecido, ao pé do muro do Kremlin.
A maior parte de seu discurso, porém, foi dedicada ao que Putin chamou de “conquistas do complexo militar-industrial” russo. “Incorporando a nossa experiência real de combate, continuaremos a fortalecer as Forças Armadas de todas as formas possíveis, incluindo os esforços contínuos de reequipamento e modernização”, disse ele. “Hoje, a participação de armas e equipamentos modernos nas forças nucleares estratégicas já atingiu 95%, enquanto a componente naval da ‘tríade nuclear’ está em quase 100%”, acrescentou.
Os poderes quase ilimitados de Putin
Há 24 anos no controle do Kremlin, o mais longevo líder russo desde Josef Stalin (1878-1953), Putin tem poderes quase ilimitados. Todos os que ousaram questionar sua legitimidade foram presos, fugiram para o exílio ou acabaram mortos em circunstâncias misteriosas. Novas leis contra a liberdade de expressão permitem a prisão de cidadãos comuns por motivos pífios e tempo indeterminado — na última década, a população carcerária aumentou quinze vezes. Uma reforma constitucional lhe permite concorrer a mais dois mandatos de seis anos. Nas eleições de março, 110 milhões de eleitores vão às urnas já sabendo o resultado. Dos 33 candidatos iniciais, 29 foram barrados pela Comissão Eleitoral e os três restantes são aliados do governo. “É impossível organizar qualquer tipo de oposição sob as atuais condições”, afirma Paul Stephan, professor de direito constitucional da Universidade da Virgínia. Da prisão, Navalny havia lançado uma tentativa de protesto: ao meio-dia da data das eleições, manifestantes se concentrariam em torno das seções eleitorais, sem votar em ninguém. Ninguém sabe se o plano tem chance de vingar.
Parte da apatia da população vem da virada da economia, que impediu a queda de qualidade de vida que se antecipava no começo da guerra. Putin estreitou laços com Índia, Irã, China e Coreia do Norte, passando a exportar prioritariamente para esses mercados. Consequência direta da guerra, a escalada nos preços das commodities ajudou os cofres de Moscou, injetando 320 bilhões de dólares nas receitas de exportação, um recorde. O PIB, que recuou 1,2% no primeiro ano da invasão, avançou 3,1% em 2023. Como 1 milhão de russos fugiram do país e boa parte das pessoas aptas foram convocadas, a mão de obra escasseou, o desemprego recuou para 2,9% e os salários subiram, estimulando o consumo. É nesse cenário que o presidente russo dá indícios ainda vagos de que se prepara para se sentar na mesa de negociação para o fim da guerra. Com a faca e o caviar na mão, sem oposição — e um sorriso nos lábios.