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Para eles, o papa é herege

Em carta, clérigos e teólogos conservadores acusam Francisco de heresia por suas posições controversas sobre casamento, homossexualidade e outras religiões

Por Julia Braun Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 13 Maio 2019, 23h30 - Publicado em 13 Maio 2019, 21h43

O papa Francisco está sendo acusado de heresia por um grupo de sacerdotes e teólogos. A denúncia, explicitada em carta divulgada em 30 de abril, é uma das mais graves acusações que podem ser feitas contra um clérigo e vem provocando crescente enfrentamento entre católicos ultraconservadores e moderados.

Nesta segunda-feira, 13, o número de signatários da carta aberta chegou a 86, segundo o portal de notícias religiosas LifeSiteNews, que divulgou o documento. Até agora, contudo, não foi endossada publicamente por nenhum cardeal ou bispo.

Na mensagem de 20 páginas, os religiosos conservadores pedem que o conjunto dos bispos católicos investigue Francisco pelo “delito canônico da heresia” e pregam que outros sacerdotes critiquem o papa publicamente.

Dizem ainda que decidiram tomar essa medida “como último recurso” para responder ao dano causado pelas palavras e ações do papa Francisco, “que deram lugar a uma das piores crises da história da Igreja Católica”.

O que é heresia?

Na teologia, a palavra heresia é geralmente usada para definir uma doutrina contrária aos dogmas de uma igreja ou de uma religião. Segundo uma elucidação mais recente, fixada pelo Código de Direito Canônico, é a “negação pertinaz, depois de recebido o batismo, de alguma verdade na qual se deve crer com fé divina e católica, ou ainda a dúvida pertinaz acerca da mesma”.

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Na carta aberta, os signatários afirmam que está cometendo heresia quem duvida ou nega, por meio de palavras ou ações, “alguma verdade divinamente revelada da fé católica” e persiste em seu questionamento, apesar de saber que essa verdade “foi ensinada pela Igreja Católica como uma verdade divinamente revelada”.

Decidir se um integrante da Igreja Católica é herege é responsabilidade da Congregação para a Doutrina da Fé, o departamento de fiscalização da doutrina do Vaticano.

Quais são as acusações contra o papa?

Os motivos para a acusação contra o papa, segundo os signatários, residem principalmente no fato de ele ter suavizado posições e, na opinião deles, se colocado contra os mandamentos da Igreja.

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Os estudiosos afirmam que Francisco tem dado sinais de abertura do Vaticano a homossexuais e divorciados, tem se aproximado demais de outras religiões e não tem sido enfático o suficiente em condenar o aborto. A carta traz ainda transcrições de declarações públicas e documentos assinados pelo papa para comprovar sua heresia.

Em um trecho do documento, o pontífice é acusado de aceitar que católicos divorciados e recasados civilmente possam ser admitidos, em certas circunstâncias, à comunhão.

A denúncia se refere principalmente ao documento Amoris Laetitia (A Alegria do Amor, em tradução livre), publicado por Francisco após o sínodo da família, realizado entre 2014 e 2015, para discutir mudanças na relação da Igreja com os fiéis.

Na declaração, o papa pede uma Igreja menos rígida e mais cheia de compaixão diante de qualquer membro “imperfeito”, como os divorciados e os fiéis que estão no segundo casamento civil. Na reunião de bispos, também se discutiu a possibilidade de comungar divorciados que se casaram novamente — desde que haja discernimento e uma preparação. A Igreja Católica considera o casamento indissolúvel e o novo casamento, um adultério.

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Os signatários da carta aberta afirmam ainda que Francisco “protegeu e promoveu” clérigos homossexuais ativos e acredita que “a atividade homossexual não é gravemente pecaminosa”. O pontífice já recebeu transexuais e chegou a dizer que aqueles que rejeitam homossexuais “não têm coração”.

Também foi criticado por nomear arcebispo o religioso José Tolentino de Mendonça, que, segundo a carta, já se posicionou publicamente favorável à ideia de que o aborto é um direito das mulheres.

Para os signatários, ao elogiar as pessoas que “dedicaram suas carreiras a se opor ao ensino da Igreja e da fé católica”, Francisco “comunica a mensagem de que as crenças e ações dessas pessoas são legítimas e merecedoras de elogios”.

“Juntas, todas essas posições equivalem a uma rejeição total do ensino católico sobre o casamento e a atividade sexual, o ensino católico sobre a natureza da lei moral e o ensino católico sobre a graça e a justificação”, afirmam.

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O documento ainda critica o papa por ter dito que as intenções de Martinho Lutero, fundador da Igreja Luterana, “não eram equivocadas” e ter assinado um comunicado conjunto com luteranos, no qual mencionava os “presentes teológicos” da Reforma Protestante, que deu origem à religião após ruptura com a Igreja Católica.

A carta também classifica a aproximação do Vaticano com o islamismo como “herética”. Em fevereiro, o pontífice assinou um comunicado conjunto com o Grande Imã de Al Azhar dizendo que o pluralismo e a diversidade de religiões eram um “desejo de Deus”.

Os signatários ainda vão além e acusam o argentino de proteger religiosos denunciados por abuso sexual. O texto cita uma série de nomes de cardeais, bispos e padres envolvidos nos escândalos de pedofilia e abusos em países como Estados Unidos, Alemanha, Chile e outros.

O que os aliados dizem?

Após a publicação da carta, muitos bispos, teólogos e outros membros da Igreja se pronunciaram de forma favorável ao papa Francisco. A grande maioria dos defensores do pontífice afirma que o documento falhou em provar que ele cometeu “heresia material”.

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Em um simpósio realizado em 8 de maio na Pontifícia Universidade Gregoriana, em Roma, o cardeal italiano Gualtiero Bassetti, presidente da Conferência Episcopal Italiana, afirmou que os pensamentos e textos escritos por Francisco não são “de modo algum” improvisados. Segundo ele, tudo o que o pontífice prega é “fruto de uma reflexão teológica profunda e viva, extraída de sua experiência como pastor e teólogo”.

“Atacar o papa Francisco dessa maneira é ir longe demais”, afirmou o bispo Noel Simard, presidente da Assembleia dos Bispos Católicos de Quebec, no Canadá.

Para o padre Thomas Petri, vice-presidente e reitor acadêmico da Casa Dominicana de Estudos, dedicada à formação teológica dos frades dominicanos em Washington D.C., os signatários da carta podem receber severas punições canônicas por suas opiniões. “Não está claro para mim que qualquer coisa que o papa tenha dito chegue à heresia material”, escreveu o padre no Twitter.

Thomas G. Weinandy, padre americano e importante estudioso da teologia, afirmou que Francisco já deu declarações ambíguas, que foram interpretadas erroneamente por bispos e cardeais que “querem implementar o ensino equivocado dentro de suas dioceses”.

O padre e autor australiano Brian Harrison revelou que foi convidado a assinar a carta, mas se recusou a fazê-lo porque acreditava ser injusto acusar o papa sem antes deixá-lo se defender.

“Eu me recusei porque não acho que você pode julgar alguém – especialmente um papa! – de ser um herege formal sem primeiro ouvir o que ele poderia ter a dizer em sua autodefesa”, afirmou em um artigo. Francisco ainda não se pronunciou sobre o caso.

Teólogos também argumentaram que a ideia de que divorciados e recasados possam ser aceitos pela Igreja já foi defendida anteriormente, inclusive pelo papa Bento XVI, considerado por muitos mais conservador do que Francisco.

Em 1972, Joseph Ratzinger, décadas depois Bento XVI, escreveu que o casamento é indissolúvel, mas quando “um primeiro casamento se rompeu há já algum tempo” e de modo irreparável, e quando “um segundo enlace se vem manifestando como uma realidade moral e está presidido pela fé, especialmente no que concerne à educação dos filhos” deve-se consentir com a comunhão. O alemão diz apenas que o processo deve contar com o parecer do pároco e dos membros da comunidade.

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