Comandante militar mais famoso da história, Napoleão Bonaparte (1769-1821) ascendeu ao poder em 1799, aproveitando-se da instabilidade política na França após a revolução, e iniciou um ambicioso projeto de modernização que centralizou o governo em torno de seu espectro. Com um claro viés expansionista, travou batalhas sangrentas por toda a Europa, estabelecendo um império que, em seu auge, se estendia da Espanha até Moscou. Sua sede de poder era tão insaciável que, por volta de 1812, as únicas regiões que escapavam ao seu domínio ou influência eram a Grã-Bretanha, o Império Otomano, a Suécia e Portugal. Contudo, nunca se imaginou que alguém tão fascinante para a história mundial pudesse nutrir o desejo oculto de conquistar também o Brasil.
Essa intenção permaneceu oculta por 200 anos até ser finalmente revelada por um exaustivo e rigoroso processo de pesquisa. O historiador brasileiro Marco Morel analisou documentos pertencentes ao Arquivo Nacional da França e Arquivo Histórico do Ministério da Defesa do país, onde jaziam praticamente ignorados. Morel organizou a papelada e apresentou tudo no novo livro O Dia em que Napoleão Quis Invadir o Brasil (Vestígio), que começou a ser produzido nos anos da pandemia e só agora foi concluído.
O autor relata que, entre 1796 e 1808, um período de doze anos que abrangeu do final da Revolução Francesa até a chegada da corte portuguesa ao Rio de Janeiro, Napoleão planejou pelo menos dezessete ataques contra o território brasileiro. Ele mirava várias regiões, da Amazônia ao Rio Grande do Sul, passando por Pernambuco, Bahia, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Mato Grosso e Santa Catarina. Em alguns casos, a ambição era conquistar o Brasil inteiro. Nenhuma dessas investidas, obviamente, se concretizou, mas a conspiração era assunto sério e contava, inclusive, com o acompanhamento e o estímulo direto do chefe da Grande Armada, de ministros, comandantes e generais. “Esses planos redimensionam a importância do território brasileiro no período napoleônico”, diz Morel. “Quando Napoleão assumiu o poder, o destino da expansão ainda não estava definido, de forma que uma invasão por aqui era uma possibilidade concreta.”
A França bonapartista, de fato, se aproximava perigosamente: causou a fuga da corte de dom João VI para o Brasil, guerreou no Haiti, na Guiana (fronteira amazônica) e nas colônias caribenhas. Estabeleceu-se nos Estados Unidos, onde ocupou a Louisiana, fez incursões em Buenos Aires e chegou perto do Canadá. A exemplo dos primeiros navegadores europeus, Napoleão também desejava conquistar a América, e, naqueles tempos, todos os caminhos pareciam levar ao Brasil.
Se a trajetória expansionista parecia inevitável, porém, a poderosa Marinha inglesa, protetora da corte portuguesa e de seus territórios ultramarinos, desviou as ambições napoleônicas para outra direção. O ritmo da história europeia, que envolvia a França em guerras mais urgentes, acabou afastando o olhar do grande corso de nosso território.
Embora as tentativas frustradas nos permitam imaginar como poderia ter sido um Brasil sob o domínio napoleônico, as colônias francesas espalhadas pela África, América e Ásia desencorajam uma visão otimista. “Seria ingênuo acreditar que seríamos a última maravilha da civilização europeia sob o domínio francês”, afirma Morel. “Para a França ou para Portugal, o Brasil sempre foi uma colônia, nunca um igual.”
A nação franco-brasileira poderia ter sido, mas não foi. À França restou apenas uma influência indireta em nossa cultura colonial, que se manifestou nas vestimentas, na literatura e, mais tarde, na gastronomia, aspectos que o caráter essencialmente antropofágico do Brasil soube absorver e adaptar aos padrões dos trópicos. Ou seja, a presença francesa se faz sentir até hoje em dia, ainda que não na dimensão pretendida pelo impetuoso Napoleão.
Publicado em VEJA de 16 de agosto de 2024, edição nº 2906