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Por que o novo pacote de sanções do Ocidente pode fortalecer Putin

Diante das cenas de selvageria nas cidades desocupadas pela Rússia, as represálias foram impostas — mas o efeito delas periga ampliar a guerra

Por Ernesto Neves Atualizado em 4 jun 2024, 12h18 - Publicado em 8 abr 2022, 06h00

Recebido inicialmente com alívio, o anunciado recuo das tropas russas no entorno de Kiev, a capital da Ucrânia, reverteu-se em pesadelo. Na cidade-satélite de Bucha, a 25 quilômetros, fotos e vídeos divulgados pelo governo de Volodymyr Zelensky revelaram cenas dantescas, em que corpos de homens e mulheres jaziam nas ruas, alguns de mãos amarradas e sinais de execução sumária. Em pelo menos uma vala rasa comum, semiescavada, amontoava-se um número indeterminado de cadáveres. Segundo Emine Dzheppar, vice-ministra das Relações Exteriores da Ucrânia, mais de 400 mortos haviam sido recolhidos em Bucha. “Foi uma crueldade ilimitada, estou sem palavras”, desabafou. A Rússia, em tom indignado, afirmou que o cenário de terror tinha sido montado pelos ucranianos para incriminar seus soldados, mas imagens de satélite em dias anteriores à retirada confirmaram a presença de corpos nas ruas.

Poucas horas depois da divulgação das atrocidades em Bucha — que o presidente Zelensky fez questão de visitar, em sua primeira incursão pública fora do bunker em que está instalado —, moradores da vizinha Motyzhyn e de Chernihiv e Kharkiv, mais distantes, relataram outros atos de barbárie das tropas russas, invadindo casas e atirando a esmo. O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, voltou a acusar Vladimir Putin de crimes de guerra. “Esse homem é brutal”, afirmou.

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BLOQUEIO - Contas fechadas: bancos russos não podem atuar no exterior – (Alamy/Fotoarena/.)

A providência imediata dos países ocidentais foi apertar ainda mais o cerco de medidas econômicas com que pretendem estrangular a indústria, o comércio e as finanças russas, uma estratégia que repercute na população russa e de resultado perigoso. A questão é o tom. Ir além disso, e do reforço do armamento de curto alcance da Ucrânia, ampliaria a guerra a níveis inaceitáveis. A nova rodada de sanções americanas e europeias (leia no quadro), embora componha um formidável arsenal de dores de cabeça, de potencial nunca visto, pode acabar fortalecendo Putin internamente, o que o levaria a adotar uma postura ainda mais belicosa para manter esse apoio em seu país.

arte Internacional

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Até aqui, a artilharia econômica só cresce. Ao bloqueio das operações dos principais bancos russos no exterior somou-se o impedimento do uso das reservas em bancos americanos para quitar dívidas e papéis do Tesouro. Os Estados Unidos também determinaram o arresto de bens em nome de duas filhas de Putin, uma penalidade cirúrgica já usada contra oligarcas e membros do Parlamento e do governo. Do lado europeu, além do bloqueio de portos e estradas, a medida mais contundente é o fim gradual das importações de carvão russo, um prejuízo anual de 4,3 bilhões de dólares. Até agora o comércio de combustíveis, vital para a Europa e para a Rússia, tem sido poupado de sanções. Mas certamente será o próximo passo.

Não há dúvida da potência dessas medidas. Segundo a Casa Branca, trinta países estão unidos na imposição das sanções, que já levaram 600 empresas a sair da Rússia e devem impor queda de 15% no PIB, o que tiraria o país do grupo das vinte maiores economias do planeta. “O uso de ferramentas econômicas para fins geopolíticos moldará cada vez mais as relações entre as potências”, diz Jonathan Hackenbroich, do Conselho Europeu de Relações Exteriores. Ao longo da história, a imposição de ataques ao bolso dos governos apresentou resultados variáveis. Em situações inflamáveis, o efeito pode ser um tiro no pé: as medidas contra a Alemanha após a I Guerra, que incluíram indenizações e perda de território, provocaram ressentimento e contribuíram para a ascensão do nazismo, movimento que se repetiu na Itália e no Japão. Contra Irã, Venezuela e Cuba, a pressão revoltou a população e até fortaleceu o regime. Detalhe: a potência das sanções, até agora, é maior do que em qualquer outro momento da história. Tomara que seus efeitos não ultrapassem o ponto de convergência para que Ucrânia e Rússia encontrem, o quanto antes, a paz.

Publicado em VEJA de 13 de abril de 2022, edição nº 2784

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