Por que um dos países mais ricos do mundo está se tornando inabitável
Kuwait, no Oriente Médio, vem atingindo temperaturas insuportáveis à sobrevivência humana
Com seu território inteiramente ocupado por desertos, o Kuwait, país de 2,7 milhões de habitantes encravado na península do Golfo Pérsico, sempre teve de lidar com temperaturas elevadas.
Mesmo assim, o país assiste alarmado à escalada sem precedentes em seus termômetros. Não à toa, a capital, Kuwait City, é hoje considerada a metrópole mais quente do mundo.
A cada verão, a cidade vem cravando temperaturas muito acima dos 40°C. Em 2021, Kuwait City registrou pela primeira vez estonteantes 50°C em junho, semanas antes de o verão atingir seu auge.
A cidade detém o recorde de 54°C batido em 2016, o maior registro feito na Terra nos últimos 80 anos.
Climatologistas advertem que a repetição de eventos extremos por lá não é coincidência.
E que o Kuwait, quarto maior exportador de petróleo do planeta, está à beira de se tornar inabitável como resultado do aquecimento global.
De acordo com o serviço meteorológico do Kuwait, a temperatura média local pode subir 4.5°C entre 2070 e 2100. Uma escalada que, avisam, tornaria toda a região inabitável.
Ambientalistas garantem que o cenário já está se concretizando. Durante as estações mais quentes, chama a atenção a profusão de pássaros que sucumbem ao calor e morrem nas ruas e telhados de prédios de Kuwait City.
Em 2021, imagens de palmeiras plantadas em rodovias da capital completamente esturricadas viralizaram nas redes sociais. As árvores mortas chocaram as gerações mais jovens, justamente a parcela da população que terá de arcar com as piores consequências do efeito estufa.
Outro alerta que vem da vida silvestre é a fuga das raposas selvagens. Animais resistentes à secura, elas estão abandonando o deserto para buscar abrigo em áreas urbanas sombreadas.
Isso porque a pouca vegetação que antes florescia em algumas áreas do deserto em meses mais amenos, e que servia de proteção, já não consegue mais prosperar com o sol inclemente.
Mesmo com a urgência climática batendo à porta, o Kuwait pouco faz para iniciar sua transição para a economia de baixo carbono.
Durante a COP 26, em 2021, o governo afirmou que vai reduzir suas emissões de poluentes em 7.4% até 2035, compromisso muito abaixo dos seus vizinhos no Oriente Médio.
O país também não discute sua dependência do automóvel, tampouco a criação de sistemas eficientes de transporte público.
Pesquisa conduzida pela London School of Economics mostrou que a maior parte da população do país não crê em aquecimento global.
Além disso, uma consulta pública realizada pelo governo apontou que todos os cidadãos com mais de 50 anos rejeitam investimentos em malhas de metrô semelhantes às que operam em Dubai, nos Emirados Árabes, e em Riad, na Arábia Saudita.
A alienação é explicada, em parte, pela bolha de riqueza e conforto em que vive parte expressiva dos seus cidadãos.
Os moradores do emirado costumam permanecer em ambientes refrigerados 24 horas por dia. Casas, carros e shopping centers estão preparados para o calor extremo.
Um luxo que não é estendido aos imigrantes. Oriunda de países mais pobres da Ásia e da África, essa parcela chega ao Kuwait para trabalhar principalmente construção civil e em trabalhos braçais.
Embora o governo tenha proibido o trabalho ao ar livre durante os meses mais quentes, autoridades preferem ignorar o problema, sendo comum ver imigrantes realizando tarefas sob o sol.
Mas, no longo prazo, climatologistas afirmam que o calor incontrolável deverá trazer impactar pobres e ricos.
Entre 2040 e 2050, o clima extremo será tão comum que afetará a capacidade de desenvolvimento econômico do Kuwait, segundo análise feita pela consultoria de risco Fitch.
Para piorar, agência cita ainda outro fator complicador.
As disputas entre o parlamento do Kuwait, o único do Golfo, e o governo nomeado pela família real estão inviabilizando a implementação de reformas que adaptem o país à nova era de extremos.