O episódio da tentativa de ataques à CNN e a lideranças democratas trouxe à superfície uma reação improvável: a apatia do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Sua performance foi notada, mas diante de sua insistente e enfática tentativa de desmoralizar a imprensa americana e seus opositores, não chega a surpreender. Trump, se pudesse, passaria com o rolo compressor sobre ambos.
Jeff Zucker, presidente mundial da rede de televisão americana, não deixou em branco e responsabilizou Trump pelo tentativa de ataque a um órgão de imprensa. Por meio de comunicado, Zucker criticou a “falta total e completa de compreensão da Casa Branca sobre a gravidade de seus continuados ataques contra a imprensa”.
“O presidente, e especialmente a secretária de imprensa da Casa Branca, deveriam entender que suas palavras têm importância. Até agora, eles não demonstraram compreensão disso”, afirmou, referindo-se a recorrentes declarações contra a imprensa feitas também por Sarah Huckabee Sanders.
A CNN recebeu hoje um pacote com um explosivo caseiro, feito com tubos, e mais um envelope com um pó branco, que reacendeu o temor das ameaças com Antrax, em 2001. O pacote estava endereçado a Eric Holder, secretário de Justiça do governo de Barack Obama.
O ex-presidente e Hillary Clinton, senadora e secretária de Estado em sua gestão, receberiam pacotes com explosivos também. Mas foram interceptados pelo Serviço Secreto. O financista George Soros recebeu um deles, assim como o gabinete da deputada democrata Debbie Schultz, da Flórida — neste caso, endereçado ao ex-diretor da CIV, John Brennan. Um sexto pacote foi encontrado na tarde de hoje, encaminhado para deputada democrata Maxine Waters, da Califórnia.
Os ataques de Trump à imprensa e a seus opositores democratas são frequentes desde os tempos em que concorria nas eleições de 2016 contra a democrata Hillary Clinton, que tem sido insistentemente insultada pelo presidente — ele a chama, entre outros, de “desonesta” e de ter “lágrimas de crocodilo”.
A imprensa tem sido igualmente tratada por ele como “desonesta”. Entre críticas aos jornalistas e meios de comunicação “falidos”, “fracassados”, “baixos”, “mentirosos”, disparadas sempre e quando alguma denúncia ou notícia lhe é desfavorável, Trump coleciona também episódios em que instiga seus eleitores a atacar a mídia.
No último dia 19, em comício republicano em Montana, Trump declarou que, quem agir como o deputado republicano Greg Gianforte contra o jornalista Ben Jacobs, do jornal The Guardian, é um dos seus. Trump elogiou Gianforte como um “cara durão”. Em maio do ano passado, ao ser questionado sobre o sistema público de saúde, o deputado republicano agrediu Jacobs aos socos.
Em agosto do ano passado, em um evento em Phoenix, no Arizona, o presidente tanto criticou e insultou a imprensa que a plateia por pouco não caiu em cima dos jornalistas ali presentes. Entre eles, estavam repórteres credenciados na Casa Branca, que viajaram com o presidente de Washington ao Arizona. Trump chamou os jornalistas de “doentes” e apontou onde estava a “mídia desonesta, essas pessoas ali encima junto com as câmeras”.
Nesta tarde, por volta das 16h30 (17h30, em Brasília), a central da CNN em Nova York foi reaberta, depois de inspeções de equipes de segurança. Mas a impressão de que, no final das contas, qualquer ataque aos meios de comunicação dos Estados Unidos está vinculado às declarações de Donald Trump ficou presente no ar.
“São tempos problemáticos, não são?”, resumiu Hillary Clinton nesta quarta-feira, em um evento de campanha. “E não é hora de tempo de aprofundar as divisões e temos de fazer tudo o que pudermos para manter nosso país unido”, completou, em seu tom de estadista, com o cuidado de não entrar em detalhes nem em apontar responsáveis.
Philippe Reines, ex-colaborador da campanha de Hillary em 2016, foi menos diplomático e culpou o presidente dos Estados Unidos e lhe enviou uma mensagem direta.
“Donald Trump, com toda a fibra de seu ser pútrido, incitou e perdoou o ódio”, afirmou Reines pelo Twitter. “Nunca, nestes 643 dias (de governo), você (Trump) desencorajou as pessoas a acabar com a violência dentro delas. A sua real existência requer ódio e medo. Você precisa disso como pessoas normais precisam de oxigênio.”
A reação de Trump à primeira ameaça de atentado terrorista em solo americano desde 2001 foi marcada pela apatia. Primeiro, ele limitou-se a repetir, no Twitter, a mesma mensagem postada por seu vice-presidente, Mike Pence. Depois, como não poderia deixar de comentar a questão, deu uma brevíssima declaração em um evento comandado pela primeira-dama, Melania.
Trump limitou-se a pedir a união no país, a dizer que as agências e órgãos federais estavam investigando — o que já se sabia —, e a sublinhar que a segurança do país é sua prioridade. Não gastou mais do que dois minutos e tampouco estendeu o roteiro básico de um chefe de Estado para ocasiões como a de hoje. Por fim, evitou uma declaração de solidariedade às potenciais vítimas.
Pouco depois, o coordenador da campanha de eleição Trump 2020, Brad Parscale, pediu desculpas por mensagem enviada por email antes do ataque à CNN, em nome de Lara Trump, na qual mencionara a rede de televisão como uma das responsáveis por divulgar fake news contra o presidente. “Eu tenho alguns furos para a CNN… Esta é a América real que existe fora da bolha progressista. Chegou a hora de o povo americano despertar de novo a mídia”, dizia o texto enviado a milhões de americanos.
Pelo Twitter, Parscale alegou que a campanha era pré-programada e automática e que não poderia perdoar violência contra a CNN ou qualquer outro.
Mais solidários, alguns políticos republicanos lamentaram o episódio e se solidarizaram com os democratas que seriam alvos e com a CNN. A única autoridade da Casa Branca a efetivamente condenar os atos foi Pence. O líder do Partido Republicano na Câmara, Steve Scalise, considerou as tentativas de ataque como “puro terror”. “Violência e terror não têm lugar na nossa política e na nossa sociedade”, afirmou pelo Twitter.
A tentativa de ataque aos líderes democratas, a Soros e à CNN é o primeiro sofrido em solo americano desde 2001, quando a organização terrorista Al-Qaeda atacou Nova York e Washington, além do avião derrubado na Pensilvânia.
Sete dias depois daquele 11 de setembro, cartas contaminadas com Antrax foram enviadas para os senadores democratas Tom Daschle e Patrick Leary e para cinco meios de comunicação: as redes de televisão ABC News, CBS News, NBC News e os jornais New York Post e National Enquirer. Cinco pessoas morreram e outras 17 foram contaminadas. Um dos suspeitos de executar o ataque, o cientista Bruce Edwards Ivins, se matou em 2008.