Procuram-se bebês: o pacote italiano de incentivo aos casais
Em tempos de natalidade em franco declínio na Europa, país anuncia um movimento vital para fazer girar a economia
Quase cinco meses depois de assumir o posto de premiê na Itália, Giorgia Meloni precisa desatar uma série de apertados nós que freiam o país, enredado por uma dura combinação de baixo crescimento com uma dívida pública superior a 140% do PIB. Outro espinhoso problema reside no desembarque recorde de imigrantes ilegais vindos de países pobres da África e da Ásia — só em 26 de fevereiro a polícia contabilizou 71 mortos num trágico naufrágio em Cutro, no sul do país. Entre todos os enroscos italianos, desenrola-se ainda uma crise menos visível, mas de efeitos deletérios duradouros, que vem mobilizando Meloni: faltam bebês no país, um xadrez demográfico que afeta toda a Europa, hoje debruçada sobre caminhos para suavizar o iminente encolhimento de suas populações e seguir girando as engrenagens da economia.
A líder italiana, expoente da extrema direita contrária à ideia de preencher a lacuna estimulando a imigração, acaba de divulgar um programa para incentivar jovens casais a ter filhos, iniciativa anunciada em discurso envolto em promessas. “É só o começo”, disse. Para tentar reverter as taxas de natalidade de 1,2 filho por casal, bem abaixo da marca de 2, em que não há declínio populacional (veja o quadro), o governo preparou um pacote que conterá bônus para lares com mais de três crianças, extensão de licença-maternidade e redução na idade mínima de aposentadoria para mulheres que optem pela maternidade. Outros países já enveredaram por trilha parecida, até então sem muito sucesso, uma vez que a tendência de famílias sem crianças é movida por uma profunda mudança de hábitos e aspirações nestes tempos modernos. As mulheres estão com os pés bem fincados no mercado de trabalho, e as jovens gerações valorizam como nunca o conceito de liberdade. “Quanto mais espaço elas ocupam e maior é o seu leque de escolhas, menos filhos querem ter”, observa a pesquisadora australiana Zoë Krupka.
Praticamente todas as nações desenvolvidas estão debruçadas sobre saídas para o inexorável envelhecimento de seus habitantes. De acordo com uma pesquisa conduzida pela demógrafa americana Jennifer Sciubba, 70% dos países mais ricos enfrentarão queda populacional até o fim do século. É na Europa, porém, que o problema adquire tintas mais dramáticas, com um terço dos lares já ocupados por apenas um morador. Ao mesmo tempo que os nascimentos mínguam, a expectativa de vida do europeu avançou mais de dez anos no último meio século, uma boa notícia que impõe complexos desafios. Afinal, elevados índices de longevidade trazem crescentes custos à previdência num cenário em que não há jovens em atividade em número suficiente para aliviar a conta. “Se os devidos cuidados não forem tomados, a situação pode se converter em uma bomba para a economia”, alerta o demógrafo Gian Carlo Blangiardo, da Universidade de Milão.
Esticar a permanência das pessoas em seus empregos, tentar produzir mais com menos braços e empreender políticas amigáveis aos imigrantes, sobretudo os mais qualificados, estão no rol de medidas adotadas mundo afora para lidar com o escasseamento de gente em idade ativa. O tema, vital para delinear o futuro próximo de tantos países, vem sendo objeto de estudos, que são contundentes em um ponto: lugares onde o mercado de trabalho é mais robusto e aberto aos jovens registram maior movimento nas maternidades, caso dos Estados Unidos, da Austrália e de países nórdicos, como Suécia e Dinamarca, em que há abundância de boas vagas no setor público. “Cenários assim, nos quais se vislumbra um futuro às famílias, contribuem para a decisão de ter filhos”, explica Gilles Pison, professor da Sorbonne.
Ao longo da década, países do Leste Europeu, como Polônia e Hungria, vêm sendo observados com atenção pelos demógrafos. Ambos passaram a garantir uma renda mensal a quem tem filhos — da mesma forma que a China, cuja população engatou em rota descendente em 2022, nove anos antes do previsto. Pois esse tipo de ação, agora posta à mesa por Meloni, até o momento não produziu um real impulso à natalidade. Economistas advertem que a mera distribuição de dinheiro é insuficiente quando não há melhoria na qualidade de vida. “É a insegurança econômica, associada a fatores comportamentais, que desencoraja a expansão das famílias”, afirma Massimiliano Valeri, diretor do Censo italiano. Como se vê, não há resposta única nem tampouco simples para viver sob os novos ventos demográficos.
Publicado em VEJA de 15 de março de 2023, edição nº 2832