Os clássicos protestos de 1º de maio na França, uma tradição já longínqua, desta vez atiçaram as labaredas de um caldeirão de descontentamento cuja temperatura não para de aumentar. Tudo começou com a agora aprovada iniciativa do presidente Emmanuel Macron de aumentar a idade mínima para a aposentadoria, de 62 para 64 anos, medida crucial para estancar a sangria dos cofres públicos diante do acelerado envelhecimento da população. Desde que o assunto veio à baila, os bulevares parisienses e de todos os cantos do país vêm sendo tomados de manifestantes, nem sempre pacíficos, que somaram nesta última marcha quase 800 000 pessoas — seis vezes mais do que o registrado na mesma data, em 2022, o que ajuda a dimensionar a indignação. Em Lille, no norte do país, um grupo já conhecido de mulheres deu voz à insatisfação pintando o rosto em alusão a Marianne, poderoso símbolo nacional da república francesa enaltecido no quadro Liberdade Guiando o Povo, de Eugène Delacroix, destaque do Museu do Louvre. Na fita que lhes selava a boca lia-se o número 49.3, o artigo da Constituição acionado pelo presidente para aprovar uma lei sem submetê-la à Assembleia Nacional. Havia tempo que os sindicatos franceses não se uniam em torno de uma causa comum: manter privilégios que não podem ser sustentados pelo Estado. Para quem pretende flanar pelas encantadoras ruelas, fica o aviso. Novas rodadas de levantes estão na programação, em permanente briga contra uma decisão imprescindível, reafirme-se.
Publicado em VEJA de 10 de maio de 2023, edição nº 2840