Quando Vladimir Putin foi nomeado primeiro-ministro da Rússia, em agosto de 1999, muitos pensavam que o então desconhecido ex-diretor da KGB, a polícia secreta do período soviético, continuaria as reformas democráticas após o fim da União Soviética. Desde então, porém, ele impôs seu poder unipessoal e, passados vinte anos, parece determinado a conservar sua autoridade em Moscou.
Nas últimas semanas, o veto das autoridades russas às candidaturas de oposição nas eleições municipais de várias grandes cidades, incluindo Moscou, e a dura repressão policial e judicial ao movimento de protesto deixaram pouca margem para dúvidas.
Ao mesmo tempo em que afastava as principais vozes críticas à sua atuação e dissidentes – como o ex-espião Sergei Skripal, envenenado em março de 2018 na Inglaterra, e o político e banqueiro Alexei Navalny, vítima de uma tentativa de envenenamento neste ano na cadeia – Putin, de 66 anos, angariou apoio popular ao devolver a Rússia a um espaço preponderante no cenário internacional e por conseguir uma certa estabilidade econômica. Sua tarefa, agora, é não deixar a oposição levantar a cabeça.
Até o momento, a Constituição não permite a Putin uma nova candidatura em 2024, quando termina seu mandato. O suposto fim de seu governo deixa a classe política russa no limbo sobre suas intenções.
A questão da sucessão é importante ainda mais porque a popularidade de Putin, estratosférica após a anexação da Crimeia, caiu desde o anúncio de uma impopular reforma da Previdência, no ano passado. As regras propostas são repelidas pela população, com renda em queda há cinco anos.
“Atualmente, Putin e seu entorno buscam todos os meios para não partir”, afirma o jornalista político Georgui Bovt, para quem o presidente russo acredita que deve “cumprir uma missão histórica”.
A história política de Vladimir Putin começou em 9 de agosto de 1999, quando o então presidente Boris Yeltsin anunciou a nomeação do diretor do FSB, órgão herdeiro da KGB soviética, como chefe de Governo. Analistas consideravam Putin um representante do serviço de Inteligência, com capacidade de acabar com a instabilidade política e a revolta no Cáucaso.
Ele também era visto como um homem de Estado eficaz, que iniciou sua carreira ao lado do liberal prefeito de São Petersburgo, Anatoli Sobchak, e que foi escolhido por Yeltsin para manter a Rússia no caminho da economia de mercado. Debilitado, o então presidente renunciou em 31 de dezembro de 1999 e explicou em cadeia nacional de televisão que Putin ficaria responsável por “consolidar a sociedade e garantir a continuidade das reformas”.
Poder ilimitado
“No início de seu reinado, a Rússia, ainda pobre e com índice elevado de criminalidade, continuava sendo um país livre e democrático”, disse o jornalista Nikolai Svanidzeh, que recorda um Putin “agradável e conversador, natural e com senso de humor” em seus primeiros anos no Kremlin.
“Após 20 anos de poder sem limites, cercado de aduladores, o que é inevitável em nosso regime relativamente autoritário, certamente ele mudou, e não no bom sentido”, completa.
No início, o primeiro-ministro Putin se mostrava relativamente tolerante e disposto a manter boas relações com os ocidentais. Porém, já apresentava uma imagem severa e iniciava a segunda guerra da Chechênia, o que permitiu sua reeleição como presidente na primeira década do século com 53% dos votos.
Graças à abundância de petróleo e gás, sua primeira década no poder foi marcada pela recuperação do nível de vida dos russos e do Estado, enfraquecido após a queda da URSS, bem como dos meios de comunicação controlados por ambiciosos oligarcas.
“O Putin de hoje não é o de 1999-2000: de liberal, ele passou a conservador”, afirma o cientista político Konstantin Kalachev. O analista acredita que a mudança “foi desencadeada por sua decepção com os ocidentais”.
Reacionário
Em 2004, aconteceu um ponto de inflexão, com a “Revolução Laranja”, que levou à presidência da Ucrânia um político pró-Ocidente. O Kremlin considerou o episódio uma interferência ocidental em seu quintal.
Depois, as crises não deram trégua: guerra na Geórgia, em 2008; intervenção ocidental na Líbia, em 2011; apoio ao regime de Bashar Assad, na Síria, desde 2011; e a crise ucraniana, em 2014, com a anexação da Crimeia pela Rússia depois do início de um conflito entre as força de Kiev e os separatistas pró-Moscou.
A anexação da península ucraniana da Crimeia, em especial, provocou a pior crise diplomática entre a Rússia e o Ocidente desde a Guerra Fria.
“O conflito com o Ocidente transformou Putin em reacionário”, acredita Bovt, da rádio Business FM.
Na política interna, o reacionarismo foi traduzido pela defesa de valores conservadores pregados pela Igreja Ortodoxa, em oposição à “decadência ocidental”. Houve retrocesso permanente das liberdades públicas em nome da ordem e da estabilidade na Rússia.
Fidel no topo
No poder há 20 anos na Rússia, Vladimir Putin ainda está longe dos marcos de longevidade política estabelecidos por Fidel Castro, Kim Il-sung e Teodoro Obiang Nguema.
Entre os dirigentes que governaram por mais tempo, o recorde é do falecido líder da Revolução Cubana, Fidel Castro, que assumiu o poder em 1959 e permaneceu no cargo até ceder a presidência ao irmão, Raúl, 49 anos depois.
Em diversos cargos, o nacionalista chinês Chiang Kai-shek dirigiu, por 47 anos, China e depois Taiwan, onde se refugiou em 1949. Atrás dele, está o fundador e dirigente norte-coreano Kim Il-sung, avô do atual líder Kim Jong-un, com 46 anos no poder.
Muamar Khadafi governou a Líbia por quase 42 anos, até ser assassinado em outubro de 2011 durante uma onda de protestos que resultaram em conflito armado. Também na África, Omar Bongo Ondimba, que chegou à liderança do Gabão em 1967, faleceu após ter estado mais de 41 anos no poder.
Na Europa, o líder albanês Enver Hodja, falecido em 1985, dirigiu seu país por quatro décadas.
(Com AFP)