Quarentenas e restrições reduzem poluição na Itália, China e em NY
Estudos mostram queda de 25% nas emissões de dióxido de carbono na China desde início da pandemia de coronavírus; água dos canais de Veneza ficou mais clara
Em quarentena há doze dias, os moradores de Veneza viram pela primeira vez em muitos anos as águas dos canais da cidade ficarem claras – e até golfinhos, cisnes e cardumes de peixes foram flagrados nadando por ali. Com fábricas paradas e trânsito quase inexistente, a Itália registrou considerável melhora qualidade do ar. Mas a nação não foi a única em que a natureza se beneficiou da pandemia de coronavírus: cientistas já registraram redução da poluição na China e nos Estados Unidos.
Estudos mostraram uma melhora de 21,5% na qualidade do ar na China, onde é comum os moradores da capital, Pequim, usarem máscaras para se proteger da poluição. Um pesquisador na Universidade Stanford calcula que, apesar das muitas vidas tiradas pela Covid-19, a paralisação das fábricas e do trânsito no país pode ter salvo entre 50.000 e 75.000 pessoas que poderiam morrer de forma prematura por causa da poluição. O pesquisador, Marshall Burke, porém, advertiu que seria “incorreto e imprudente” concluir que “pandemias são boas para a saúde” por causa disso.
O surto de coronavírus começou no final de dezembro em Wuhan, na China. Com uma propagação rápida para as cidades e regiões vizinhas, a doença levou ao total isolamento de dezesseis cidades. Ao menos 60 milhões de pessoas ficaram confinadas em toda a província de Hubei, da qual Wuhan é a capital.
Com as restrições, as operações industriais em toda a região foram suspensas. A proibição de que os chineses viajassem entre as cidades da província e para fora dela também diminuiu o fluxo de circulação de carros, ônibus, trens e aviões em todo o país.
Segundo o Centro de Pesquisa sobre Energia e Limpeza do Ar, cuja sede está localizada na Finlândia, todas as mudanças observadas na China levaram a uma redução de 25% nas emissões de dióxido de carbono durante quatro semanas entre o final de janeiro e meados de fevereiro, quando comparado ao mesmo período do ano passado.
A organização aponta ainda que as operações industriais foram reduzidas de 15% a 40% em algumas regiões do país. Em alguns setores, o consumo de carvão mineral caiu 36%. O país é o atual campeão mundial dessas emissões.
Os satélites de monitoramento de poluição operados pela Nasa e pela Agência Espacial Europeia (ESA) também observaram reduções drásticas na poluição do ar sobre a China durante duas semanas em fevereiro, quando a quarentena estava em vigor em várias províncias. Os satélites mediram as concentrações de dióxido de nitrogênio, que é liberado por carros, usinas e instalações industriais, de 1º a 20 de janeiro e novamente de 10 a 25 de fevereiro. A diferença entre os dois períodos é notável.
Os cientistas da Nasa disseram que reduções de emissões semelhantes foram observadas em outros países durante crise econômicas, mas que a queda na poluição do ar na China durante o período de quarentena foi especialmente rápida. “É a primeira vez que vejo uma queda tão dramática em uma área tão ampla para um evento específico”, disse Fei Liu, pesquisador de qualidade do ar da agência americana, em um comunicado.
A China teve até o momento quase 81.000 casos de Covid-19 e 3.248 mortes. O país registrou no domingo o primeiro caso de transmissão local em três dias – consequência dos mais de quarenta casos importados do exterior.
Itália
As concentrações de dióxido de nitrogênio na atmosfera da Itália também caíram de forma acentuada, assim como na China. Novos dados do satélite Copernicus Sentinel-5p da ESA mostram que, entre 1 de janeiro e 11 de março, a redução foi especialmente visível no norte do país, que foi particularmente afetado pelo surto de Covid-19.
“O declínio nas emissões de dióxido de nitrogênio sobre o norte da Itália é particularmente evidente”, disse Claus Zehner, gerente de missão da ESA Copernicus Sentinel-5P, em comunicado.
A inalação do dióxido de nitrogênio pode aumentar o risco de asma, irritação e inflamação dos pulmões. Embora o gás nocivo não seja considerado um dos principais contribuintes para as mudanças climáticas, o estudo de sua concentração na atmosfera pode ajudar os cientistas a entender os outros gases de efeito estufa que aprisionam o calor e que impulsionam o aquecimento global.
Em Veneza, a imposição de uma quarentena obrigatória não reduziu apenas o trânsito de automóveis e aviões, mas também o de barcos pelos canais da cidade. Sem a grande circulação de gôndolas e vazia de turistas, as águas da famosa atração turística italiana ficaram mais claras e os moradores puderam ver peixes nadando nos canais pela primeira vez em muitos anos.
Alguns internautas compartilharam vídeos de golfinhos e cardumes nas águas em suas redes sociais. “Veneza não vê a água dos canais limpa há muito tempo”, escreveu um dos usuários.
A Itália tem 59.138 infecções e 5.476 mortes por coronavírus. O número de óbitos no país superou o registrado na China em seu pico de casos.
Nova York
Embora ainda seja cedo para avaliar o impacto das quarentenas nos Estados Unidos, dados coletados em Nova York nesta semana sugerem que a instrução do governo estadual para os moradores evitarem deslocamentos desnecessários e ficarem em casa já traz impacto significativo.
O trânsito automotivo na cidade caiu 35%, em comparação com o mesmo período do ano passado. As emissões de monóxido de carbono, principalmente de carros e caminhões, caíram cerca de 50% por alguns dias esta semana, de acordo com pesquisadores da Universidade de Columbia.
A pesquisa também apontou uma queda de 5% a 10% na concentração de gás carbônico e metano em Nova York. Os cientistas, contudo, alertaram que os níveis podem subir rapidamente assim que a situação se normalizar.
O governador do estado de Nova York, Andrew Cuomo, decretou quarentena obrigatória por conta do coronavírus a partir desta sexta-feira, 20. Os dados coletados pela Columbia, contudo, avaliam apenas os dias anteriores à decisão.
Nova York registrou 3.954 casos de Covid-19, além de 26 mortes. Em todo os Estados Unidos são mais de 16.000 infecções e 213 óbitos.
Embora o coronavírus já tenha tirado muitas vidas, cientistas apontam que esse período pode oferecer ao mundo lições sobre como se preparar – e idealmente evitar – os impactos mais destrutivos das mudanças climáticas no planeta.