Quem pode suceder Kim Jong-un na liderança da Coreia do Norte?
Segundo o setor de Inteligência dos EUA, ditador está em estado crítico após cirurgia cardiovascular; China e Coreia do Sul desmentem rumores
Rumores sobre a saúde do ditador da Coreia do Norte, Kim Jong-un, despertaram especulações sobre quem poderia suceder o Líder Supremo, que controla o poder Executivo, o Partido dos Trabalhadores da Coreia – sem concorrentes – e as Forças Armadas do país. Segundo fontes da Inteligência americana, Kim está hospitalizado em estado crítico após ter sido submetido a uma cirurgia cardiovascular no início do mês.
O avô do atual ditador, Kim Il-Sung, transformou a Coreia do Norte em uma “república” governada por uma “dinastia familiar”, na qual os filhos mais velhos assumem o posto na ausência ou morte do líder. Porém, até hoje, o regime norte-coreano nunca divulgou quem tomaria o lugar de Kim Jong-un.
O ditador assumiu o posto de Líder Supremo após a morte de seu pai, Kim Jong-il, supostamente com 27 anos. Atualmente aos 36 anos, não está claro se Kim tem filhos, já que ele jamais apareceu em público ao lado de familiares que não fossem sua mulher e sua irmã. Os serviços de inteligência da Coreia do Sul, contudo, apontam que ele tem três filhos ainda crianças, entre dois e dez anos de idade.
“Se Kim Jong-un tiver filhos, eles provavelmente são muito jovens para herdar o poder”, diz Soojin Park, pesquisadora do think tank Wilson Center, de Washington, e ex-porta-voz adjunta do Ministério da Unificação da Coreia do Sul. Diante das circunstâncias atuais, portanto, a opção mais óbvia seria que a irmã mais nova do ditador, Kim Yo-Jong, de 31 anos, o sucedesse no caso de sua morte.
Kim Yo-Jong tem sido a presença mais visível ao lado do ditador nos últimos dois anos, desde que representou seu país nas Olimpíadas de Inverno de Pyeongchang, na Coreia do Sul. Formalmente, ela é vice-diretora do poderoso Comitê Central do Partido dos Trabalhadores (PTC), mas atua extra-oficialmente como chefe de gabinete de seu irmão.
Ela foi nomeada membro suplente do poderoso Comitê Central do Partido dos Trabalhadores no início deste mês, continuando sua escalada na hierarquia de liderança do país. A norte-coreana também acompanhou Kim Jong-un a dois de seus encontros com o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e representou o irmão em conversas com a Coreia do Sul.
“Na tradição coreana, especialmente na Coreia do Norte, mulheres não ocupam posições de liderança. Kim Yo-Jong ainda é jovem e considerada relativamente inexperiente, o que poderia vir a ser um problema”, analisa Soojin Park.
Para Alexandre Uehara, membro do Núcleo de Estudos e Negócios Asiáticos e professor no Curso de Relações Internacionais da ESPM, o apoio da China ao nome de Kim Yo-Jong pode fortalecer sua posição. A vice-diretora do PTC supostamente acompanhou o irmão em sua viagem a Pequim em 2018.
“O governo chinês pode entender que tê-la como sucessora de Kim Jong-un pode ser interessante para manter uma estabilidade e também a proximidade já consolidada com a família Kim”, avalia Uehara.
Choe Ryong-hae, atual presidente da Assembleia Popular Suprema, a “mesa diretora” do congresso de representantes, também foi apontado por especialistas como um possível sucessor. Choe representa o governo norte-coreano internacionalmente e acumula décadas de serviço para o partido e a família Kim, tendo servido anteriormente como influente chefe político das Forças Armadas da Coreia do Norte.
Apesar de seu bom trabalho, analistas acreditam que a linhagem de sangue é muito importante para o regime e que escolher alguém da família Kim para suceder o atual ditador seria o mais provável. Aparentemente, há poucos familiares na linha de sucessão, além de Kim Yo-Jong. Considerado o segundo homem mais poderoso da Coreia do Norte, Jang Song-thaek, tio do ditador, foi preso por traição em 2013 e executado três anos depois por ordem do sobrinho. Outro tio do lado paterno, Kim Pyong-il, seguiu carreira diplomática, mas tem um perfil desafiador que não agrada ao Líder Supremo. Seu último posto no exterior foi em Praga, na República Checa, de onde foi chamado de volta a Pyongyang no final do ano passado.
“A morte de Kim Jong-un criaria grande confusão e preocupação, já que a Coreia do Norte é governada por um regime familiar e tudo está sob constante vigilância”, aponta Soojin Park. “Além disso, o país desenvolve armas nucleares, e a falta de um líder pode trazer muitos problemas e conflitos nessa área”.
A analista do Wilson Center, contudo, afirma que qualquer grande mudança na estrutura do país seria uma surpresa. Ainda que forças internas do PTC tentem se apoderar do poder, é difícil que elas reúnam apoio suficiente para derrubar a monarquia familiar.
“Até o momento, tendo como base a forma como a Coreia do Norte opera e a vigilância que o país impõe sobre a população, é muito difícil imaginar que haja qualquer tentativa de golpe”, diz Park. “A Coreia do Norte não funciona como outras sociedades, mesmo aquelas não-democráticas. Todas as pessoas passaram por uma lavagem cerebral e foram educadas para não se revoltar”.
Os rumores
Na noite de segunda-feira 20, a emissora americana CNN confirmou com fontes do Departamento de Inteligência dos Estados Unidos que Kim estava em estado grave após uma cirurgia cardiovascular no início de abril. O jornal sul-coreano Daily NK, especializado na cobertura da Coreia do Norte, também afirmou que o ditador estava recebendo tratamento em um resort no Monte Kumgangsan, na costa leste do país.
Ainda segundo o NK, a saúde de Kim teria se deteriorado nos últimos meses devido ao tabagismo, à obesidade e as longas horas de trabalho. Especulações aumentaram após o ditador não ter comparecido nas festividades de 15 de abril, aniversário do avô, Kim Il-sung, fundador da Coreia do Norte morto em 1994. A última vez que o líder foi visto se deu quatro dias antes, em uma reunião do governo.
Nesta terça-feira, contudo, um porta-voz da Presidência da Coreia do Sul afirmou ao jornal The Guardian que “não há nada para confirmar os rumores” e que “nenhum movimento especial foi detectado” dentro do país até agora. Uma fonte do Departamento de Relações Internacionais do Partido Comunista da China também afirmou não haver indícios de que Kim esteja doente. Mas, nesse caso, admitir ter informações sobre o estado de saíde do líder norte-coreano, como fez os Estados Unidos, também significa reconhecer oficialmente movimentação de sua rede de espionagem no país mais fechado do mundo.
Até o momento não há confirmação oficial do regime sobre a saúde do ditador. Esta não é a primeira vez que relatos contraditórios confundem a comunidade internacional. Em 2014, Kim ficou fora dos holofotes por quase seis semanas, despertando rumores sobre sua morte. Após mais de um mês, contudo, o líder reapareceu usando uma bengala. A Inteligência sul-coreana afirmou que ele havia passado por uma cirurgia para remover um cisto do tornozelo, mas o governo norte-coreano nunca esclareceu a questão.
“A Coreia do Norte não teria interesse nenhum em divulgar detalhes do que aconteceu, caso seja mesmo verdade que ele passou por uma cirurgia”, aponta Alexandre Uehara. “Novos fatos podem causar grande preocupação e movimentação interna, já que o processo sucessório é complexo e não está totalmente claro neste momento”.