O Reino Unido falhou em subestimar a possibilidade de interferência da Rússia na votação do Brexit, que definiu a saída do país da União Europeia (UE) em 2016, indica um relatório elaborado pelo Parlamento britânico divulgado nesta terça-feira, 21. O documento foi publicado em um contexto de relações tensas entre Londres e Moscou.
O relatório, de 50 páginas, foi redigido pela Comissão Parlamentar de Inteligência e Segurança (ISC) e aborda suspeitas de interferência na campanha do referendo de 2016, vencido pelo Brexit com 52% dos votos. Sua publicação coincide com a visita a Londres do secretário de Estado dos Estados Unidos, Mike Pompeo.
Segundo o documento, a inteligência britânica “tirou os olhos da bola” ao investigar a ameaça russa e “falhou em preparar” o Reino Unido contra a possível interferência no referendo, mesmo com a “preponderância de conteúdo pró-Brexit e contra a União Europeia” na mídia russa.
O Parlamento aponta também que existem fontes de código aberto segundo as quais a Rússia tentou influenciar a campanha do Brexit, mas que o governo britânico não procurou indícios profundos de intromissão.
O relatório retrata a Rússia como uma potência hostil que representa uma ameaça considerável para o Reino Unido e o Ocidente em várias frentes, da espionagem e da cibernética à interferência eleitoral e à lavagem de dinheiro. “Parece que a Rússia considera o Reino Unido um de seus principais alvos ocidentais de inteligência”, disse o relatório.
Na quinta-feira passada, o Reino Unido apontou que “atores russos” poderiam ter interferido na campanha das eleições legislativas de dezembro de 2019, depois do vazamento na internet de documentos relacionados às negociações entre Londres e Washington sobre um futuro acordo comercial pós-Brexit. O relatório afirma ainda que Moscou interferiu no referendo que a Escócia realizou para decidir sua independência em 2014.
Londres também acusou os serviços de inteligência russos de estarem atrás de uma série de ataques cibernéticos com o objetivo de roubar dados de uma pesquisa sobre uma possível vacina contra o novo coronavírus. De acordo com a agência governamental britânica responsável pela segurança cibernética, um grupo de ‘hackers’ russos atacou organizações britânicas, canadenses e americanas para roubar suas investigações sobre uma vacina contra o vírus SARS-CoV2. O Kremlin rejeitou essa denúncia, dizendo que eram “alegações sem fundamento”.
O comitê retrata a Rússia como uma fonte de dinheiro corrupto que foi bem recebido em Londres, a principal capital financeira do mundo. “O Reino Unido tem sido visto como um destino particularmente favorável para oligarcas russos e seu dinheiro.” O relatório parlamentar tem ainda muitos trechos em que trata do referendo do Brexit censurados, e existe um anexo confidencial que não foi publicado, mas os parlamentares pediram uma investigação adequada.
O Kremlin disse que a Rússia nunca interveio nos processos eleitorais de outro país. A Rússia negou diversas vezes qualquer intromissão no Ocidente, afirmando que os Estados Unidos e o Reino Unido sofrem de uma histeria anti-Rússia.
A comissão de investigação e segurança iniciou sua investigação em novembro de 2017 e entregou seu relatório ao primeiro-ministro em outubro passado. No início de novembro, o governo foi criticado por não querer publicá-lo antes das eleições de 12 de dezembro, que os conservadores venceram confortavelmente sob a liderança do primeiro-ministro Boris Johnson. Naquela época, o Executivo garantiu que optara por não divulgar o relatório por razões de segurança nacional.
A investigação da ISC procurou responder às preocupações levantadas pela suposta interferência nas eleições de 2016 nos Estados Unidos e o impacto das campanhas de desinformação da Rússia. A então primeira-ministra britânica Theresa May acusou a Rússia de espalhar “histórias falsas” para “semear discórdia no Ocidente e minar nossas instituições”.
As relações entre Londres e Moscou esfriaram desde o envenenamento, em solo britânico, do ex-agente russo Serguei Skripal, na cidade de Salisbury (sudoeste), em março de 2018. A Rússia negou qualquer envolvimento, mas o caso levou a uma onda de expulsão de diplomatas entre Londres e seus aliados e Moscou.
(Com Reuters e AFP)