O avanço das tropas russas em direção à fronteira com a Ucrânia está elevando as tensões nos leste europeu nas últimas semanas. Com mais de 125.000 soldados posicionados perto da fronteira ucraniana, a Rússia parece pronta para invadir se assim desejar. Porém, para a mídia estatal do país, a história é diferente.
Os vídeos e imagens das tropas e tanques ao longo da divisa até são constantemente divulgados. No entanto, estão sendo atribuídos a Otan e seus aliados. No cenário alternativo da estatal russa, as forças ocidentais estão realizando um plano que está em andamento há anos.
A ação consiste em cercar a Rússia, derrubar o presidente Vladimir Putin e assumir o controle dos recursos energéticos do país. Nos talk shows e noticiários, a narrativa é amplamente reforçada: a Ucrânia é um Estado falido inteiramente controlado pelo “mestre das marionetes”, os Estados Unidos.
No meio do caminho, a Europa é vista como um grupo fraco e dividido de subordinados que acatam qualquer ordem vinda de Washington. Até mesmo os americanos, ainda que assustadores, são debilitados e divididos devido à divisão política do país e à agitação social.
Com inimigos tão fracos, seria contraditório imaginar porque a Rússia não está em contra-ataque para acabar com esse plano. No entanto, a estratégia é justamente de criar um clima de tensão e medo, não de resolução.
Qualquer indício de desacordo entre o Kremlin e a Casa Branca já é motivo de alarde para os noticiários. Na última semana, o comandante da Marinha alemã, Kay-Achim Schönbach, disse em uma palestra na Índia que Putin merecia mais respeito.
“O que ele realmente quer é respeito”, disse o vice-almirante na sexta-feira 21. “E, meu Deus, dar respeito a alguém custa pouco ou nada. É fácil dar a ele o respeito que ele realmente quer e provavelmente merece”.
O comandante disse ainda que a Crimeia era um caso perdido para a Ucrânia, fala que contraria diretamente as diretrizes dos Estados Unidos e da União Europeia sobre a península, anexada pela Rússia em 2014. Schönbach renunciou ao cargo logo depois, algo que causou extrema repercussão entre os jornais russos.
Além disso, qualquer declaração feita por Washington é motivo de desprezo e ataque e, o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, acusa frequentemente os americanos de causarem “histeria da informação, mentira e falsificação”.
Ao longo dos noticiários, frequentemente é divulgada a foto de um mapa que, em teoria, mostra Belarus, país europeu aliado à Rússia, cercado por forças da Otan. No entanto, as imagens são muito semelhantes às divulgadas pela mídia ocidental como sendo a Ucrânia sitiada por tropas russas.
Qualquer acusação de possíveis ofensivas dos russos à Ucrânia são tratadas como “russofobia” e, segundo eles, as tensões estão se elevando devido à Aliança e seu avanço em direção ao leste.
Uma pesquisa realizada em dezembro pela organização Levada-Center mostra que a narrativa parece estar surtindo o efeito desejado: 56% da população acreditam que a relação entre o Kremlin e o Ocidente se deteriorou, o maior resultado desde o início do conflito da Crimeia, em 2014.
Outro levantamento, feito pelo jornal online Riddle, mostrou que a maioria dos russos acreditam estar sendo empurrados pelo Ocidente para uma guerra. Ao mesmo tempo, a Levada-Center aponta que a população já está cansada do assunto Ucrânia, que parece ser “imposto pelos principais meios de comunicação”.
À medida que cresce o número de jovens com acesso à internet, a tendência é que esse cenário comece a mudar. No entanto, a maioria das agências de comunicação da Rússia foram fechadas ou marginalizadas pelo governo, fazendo com que a realidade que o Kremlin quer impor continue vigente.