Sem citar Rússia, Lula critica ‘mentalidade de Guerra Fria’ sobre Ucrânia
Em discurso no Brics, presidente alertou sobre consequências do conflito ao mundo e disse que Conselho de Segurança da ONU é limitado, mas não culpou Moscou
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em seu segundo discurso na cúpula do Brics, nesta quarta-feira, 23, abordou a guerra na Ucrânia dizendo que a sociedade retrocedeu à mentalidade da Guerra Fria. Ele alertou sobre as consequências globais do conflito, criticou o Conselho de Segurança das Nações Unidas, mas não fez críticas à Rússia – que invadiu o vizinho na Europa há mais de um ano.
“Retrocedemos em uma conjuntura de multipolaridade benigna para uma que retoma a mentalidade obsoleta da Guerra Fria e da competição geopolítica”, disse. “Essa é uma insensatez, que gera grandes incertezas e corrói o multilateralismo. Sabemos bem onde esse caminho pode nos levar”, acrescentou.
Além disso, descrevendo o bloco do Brics como um fórum para discussão dos principais temas que afetam a paz e a segurança mundial, afirmou que o conflito evidencia a limitação do Conselho de Segurança.
“A Guerra da Ucrânia evidencia as limitações do Conselho de Segurança da ONU. Não podemos nos furtar a tratar do principal conflito da atualidade que ocorre na Ucrânia e que tem consequências globais”, declarou Lula em Joanesburgo.
Em boa parte do pronunciamento, o presidente destacou a necessidade de buscar uma solução para a guerra na Ucrânia. O petista elogiou as propostas de paz da China e África do Sul, afirmando estarem em consonância com iniciativas brasileiras, já que ele tem defendido a criação de uma espécie de “clube da paz” para o fim do conflito.
Segundo Lula, as negociações deveriam ser conduzidas por um grupo semelhante ao G20, que reúne as maiores economias do mundo.
“Achamos positivo que um número crescente de países também esteja engajado, em contato direto com Moscou ou com Kiev. Não subestimamos as dificuldades para alcançar a paz. Tampouco podemos ficar indiferentes à morte e à destruição”, declarou.
Contudo, a ideia não tem encontrado muito eco no exterior. Quando Lula foi a Washington no início do ano para um encontro com o presidente americano, Joe Biden, o assunto foi varrido para debaixo da cama. Havia a expectativa de que o tema fosse abordado novamente quando Lula foi a Pequim, mas novamente não ganhou destaque na reunião com o líder chinês, Xi Jinping.
Enquanto o petista tenta ganhar protagonismo e alçar o Brasil a player global ao falar sobre a guerra da Ucrânia, ele recebe diversas críticas ao equiparar as responsabilidades de Moscou e de Kiev, apesar de a invasão ter partido da Rússia.
Depois de Lula, quem discursou – remotamente – na reunião do Brics foi o presidente russo, Vladimir Putin. Ele não viajou a Joanesburgo por causa de um mandado de prisão emitido pelo Tribunal Penal Internacional (TPI) por crimes de guerra, sob o risco de ser detido.
O chefe do Kremlin justificou as ações da Rússia no país vizinho e voltou a responsabilizar o que chama de “Ocidente” – Estados Unidos e seus aliados – pelo conflito.
“Nossas ações na Ucrânia são apenas uma coisa: colocar um fim na guerra lançada pelo Ocidente no Donbass”, disse Putin.
A 15ª cúpula do Brics começou na terça-feira 22 e se estende até quinta-feira 24 em Joanesburgo, na África do Sul. Líderes e representantes do Brasil, China, Rússia, Índia, além dos anfitriões, reúnem-se pela primeira vez presencialmente.
Entre os principais temas, estão a expansão do bloco, aprimoramento da governança global, recuperação econômica e cooperação entre países em desenvolvimento.
Lula também aproveitou a fala para destacar que o interesse de outros países em entrar para o bloco é “reconhecimento de relevância crescente” do Brics. Ao todo, 23 países se inscreveram formalmente para se tornar membros permanentes do grupo, incluindo Arábia Saudita, Irã, Emirados Árabes Unidos, Argentina, Indonésia, Egito e Etiópia.
O petista defende, particularmente, a entrada da Argentina.
O grupo dos emergentes pretende se projetar como uma alternativa geopolítica à ordem mundial liderada pelos Estados Unidos, posicionando-se como espécie de representante do Sul Global. A lista de candidatos à adesão evidencia o afã de capitalizar a influência econômica do Brics.