O Senado da Argentina autorizou por unanimidade nesta quarta-feira (22) a ação policial de busca e apreensão em três residências da ex-presidente Cristina Kirchner. A medida sinaliza para a perda de influência política da atual senadora entre seus próprios colegas. Também indica o fechamento do cerco contra ela pela investigação de propinas milionárias em troca de contratos de obras públicas.
A autorização teve o aval da maioria dos 66 senadores, incluindo o da própria Cristina Kirchner, informou a presidente do Senado, Gabriela Michetti. A ex-presidente é acusada de comandar o esquema de corrupção entre 2005 e 2015, conhecido como “Escândalo dos Cadernos”.
A ação de busca e apreensão foi solicitada ao senado pelo juiz Claudio Bonadio, uma vez que a ex-presidente (2007-2015), eleita senadora em 2017, tem foro privilegiado.
Em carta aos diferentes blocos do Senado, divulgada na terça-feira, Kirchner se declarou disposta a permitir a revista às suas residências em Buenos Aires, Santa Cruz e El Calafate, as duas últimas no sul do país. Mas pediu a proibição à presença de câmeras durante o procedimento. Também solicitou que estejam presentes seus advogados e um senador.
Esses pedidos, especialmente o de impedir a divulgação de imagens, foram apoiados por vários congressistas com o argumento de resguardo da privacidade. “Kirchner merece respeito. Revistem, busquem as provas, mas com respeito. Respeitem a dignidade humana”, enfatizou o senador peronista Adolfo Rodríguez Saa.
Cálculos iniciais do juiz Bonadio apontam para um total de 160 milhões de dólares em propinas pagas por empresas ao grupo de Kirchner em troca de aprovação de obras públicas e contratos de licitação.
Da bancada da Frente para Vitória, a mesma de Kirchner, a senadora Ana Almirón colocou em dúvida “o objeto e a necessidade da busca e apreensão”.
“Querem esconder a verdade do que acontece na Argentina, mas o povo não compra isso”, declarou a senadora, em alusão ao mal-estar vivido no país por causa da crise econômica e do acordo de 50 bilhões de dólares fechado entre o atual presidente, Mauricio Macri, com o Fundo Monetário Internacional (FMI).
A própria Kirchner se defendeu da maneira habitual – atacando o governo de Macri. “Eu não sou o problema deste governo. Os senhores e suas políticas horríveis é que são o problema”, afirmou. “Sou a primeira senadora submetida a busca e apreensão, a primeira presidente mulher e a primeira a ser expulsa do bloco peronista. Tenho vocação para o ineditismo.”
Cristina Kirchner insistiu que não irá se arrepender, mesmo com os “desaforos de Bonadio” e seus colaboradores, segundo o jornal La Nación. “Em todo caso, eu me arrependo de não ter sido suficientemente inteligente para convencer e persuadir que, o que estávamos fazendo, com erros e acertos, havia melhorado a vida de milhões na República Argentina”, completou.
Do lado de fora do Congresso, partidários da ex-presidente aguardavam a decisão com cartazes em apoio a ela, enquanto outro pequeno grupo se manifestou pela retirada de seu foro privilegiado. “Prisão para Cristina!” e “Devolvam o dinheiro!” foram algumas das frases dos manifestantes.
Devido ao seu foro privilegiado, Cristina Kirchner não pode ser presa por enquanto. Mas, dependendo da evolução do caso nas mãos do juiz Bonadio, poderá ser acusada, julgada e condenada.
Anotações
Cristina foi eleita presidente da Argentina em 2007 e sucedeu seu marido, Néstor Kirchner. Reeleita em 2011, permaneceu no cargo até 2015. Ela é a autoridade de mais alto escalão envolvida no chamado “Escândalo dos Cadernos”
O processo judicial começou há um mês e está baseado nas anotações feitas em um caderno por um ex-motorista do Ministério de Planejamento, Oscar Centeno. Ele trabalhou especialmente para um dos implicados, Roberto Baratta, braço direito do ex-ministro Julio de Vido.
Durante 10 anos, Centeno fez percursos por Buenos Aires levando e trazendo sacolas carregadas de milhões de dólares.
O apartamento de Kirchner em Buenos Aires, assim como a residência presidencial de Olivos e a Casa Rosada, sede do governo argentino, aparecem nesses cadernos como pontos de entrega das sacolas.
O juiz busca informações sobre o paradeiro do dinheiro, aparentemente recebido em espécie.
As anotações do motorista logo se somaram às confissões de vários empresários presos, que decidiram fazer acordos de delação premiada, e de ex-funcionários dos governos de Néstor (2003-2007) e de Cristina Kirchner.
Além deste caso, Cristina Kirchner enfrenta outros cinco processos por suposto enriquecimento ilícito e por encobrimento aos iranianos acusados como responsáveis pelo atentado à associação judaica Amia, em 1994, que deixou 85 mortos e 300 feridos.
A ex-presidente se considera uma “perseguida política” e assegura que o pedido para revistarem suas propriedades não passa de “um show” para a imprensa.