O Senado do estado do Alabama adiou para semana que vem a votação da lei antiaborto mais restrita adotada nos Estados Unidos, depois de um grande desentendimento em torno da interrupção de gestações fruto de estupro e incesto. Mulheres trajadas como os personagens femininos oprimidos da série “O Conto da Aia” protestavam do lado de fora do Senado.
O debate acontece apenas dois dias depois de o legislativo do estado americano da Georgia ter aprovado uma lei que proíbe o aborto induzido a partir dos primeiros batimentos cardíacos do feto. Ou seja, por volta da sexta semana de gestação, quando muitas mulheres nem sequer ainda têm a confirmação de que estão grávidas.
A Câmara dos Deputados do Alabama aprovou na última semana o projeto banindo o procedimento, com exceções apenas para os casos de risco à vida da gestante. A proposta foi então para o Senado, onde, na última quarta-feira 8, o Comitê Judiciário acrescentou uma emenda do senador Tom Whatley incluindo o incesto e o estupro como situações excepcionais.
Nesta quinta-feira, 9, esta emenda esteve no centro de uma discussão acalorada entre os senadores, depois que os republicanos anunciaram a aprovação da versão mais restrita da lei, ignorando a alternativa.
De acordo com Kim Robertson, porta-voz de Whatley, o debate em torno de um projeto sem exceção para o incesto e o estupro deve ser realizado na próxima terça-feira, 14.
O Senado do Alabama conta com apenas quatro mulheres entre seus representantes, todas do Partido Democrata. Segundo o autor da proposta inicial, o republicano Terri Collins, gestantes e médicos denunciados por cometer um aborto podem ser condenadas a até 99 anos.
Desertos do aborto
No último dia 19 de março, o Mississippi também endureceu sua legislação antiaborto, sancionando a lei SB 2116, apelidada “de batida do coração”, nos mesmos moldes da adotada pela Georgia. O documento faz exceção para os casos de complicações médicas, mas ainda condena mulheres vítimas de estupro ou envolvidas em relações incestuosas.
Ativistas dos direitos humanos defendem que a expansão da vigilância “pró-vida” também deve aumentar o chamado “deserto do aborto”, termo usado para identificar cidades em que a falta de clínicas para o procedimento força as pessoas a viajar pelo menos 160 quilômetros para realizá-lo.
Uma pesquisa do Projeto de Novos Padrões da Saúde Reprodutiva (ANSIRH), da Universidade da Califórnia, mapeou pelo menos 400 leis estaduais americanas entre 2011 e 2017 que contribuiram para o fim de clínicas de aborto pelo país. Hoje, cerca de 780 centros ainda oferecem o serviço nos Estados Unidos.
Os legisladores anti-aborto das Câmaras estaduais vêm intensificando projetos de lei mais restritos, incentivando recursos da oposição na esperança de que um dos casos acabe na Suprema Corte dos Estados Unidos. A instância mais alta da Justiça americana agora conta com maioria conservadora entre os seus juízes, dois deles indicados pelo presidente, Donald Trump.
Eles teriam o poder de reverter uma decisão do Caso Roe contra Wade, quando duas advogadas representaram a jovem Norma L. McCorvey (sob o nome fictício de Jane Roe), exigindo a interrupção de sua gravidez, consequência de um estupro. O fiscal de distrito de Dallas, Henry Wade, representava o Estado e se opunha ao pedido.
Em 1973, depois de várias apelações, a Suprema Corte permitiu a interrupção voluntária da gravidez nos 50 estados americanos, proibindo a punição jurídica de mulheres que realizassem o procedimento, protegidas pelo “direito constitucional à privacidade.”
Apenas em 2019, Kentucky e Ohio também aprovaram leis baseadas nos batimentos cardíacos do feto, e Iowa aprovou uma regra semelhante no ano passado. De acordo com o site Rewire.News, ativistas antiaborto de pelo menos 15 estados propõem medidas para banir o procedimento à partir das seis semanas de gestação.
(Com Reuters)