Com a pompa e circunstância esperadas e obrigatórias, a monarquia britânica cumpriu a tradição: em 6 de maio, 240 dias após a morte da rainha Elizabeth, seu primogênito, o rei Charles III, foi coroado na vetusta Abadia de Westminster. Aos 74 anos, mas foi. Diante de uma congregação de cerca de 100 líderes mundiais e audiência televisiva de milhões, o arcebispo de Canterbury, líder espiritual da Igreja Anglicana, pousou lentamente a Coroa de Santo Eduardo, de 360 anos, na cabeça de Charles (o título já era dele desde o minuto seguinte ao falecimento da mãe, seguindo o preceito de que “o rei nunca morre”), sentado em um trono mais antigo ainda, do século XIV. Em seguida, foi coroada a rainha Camilla — um feito e tanto para a amante por muito tempo odiada por seu papel na infelicidade da trágica Diana. Enquanto se desenvolvia a milenar — e maçante — cerimônia, os olhos da maioria se desviaram do monarca sem carisma e se voltaram para a família bem mais charmosa de seu herdeiro.
William e Kate, os príncipes de Gales, de pomposos uniformes, ocuparam lugar de honra ao lado dos filhos Charlotte e Louis — este, aos 5 anos, bocejando como qualquer plebeuzinho (George, o mais velho, fez parte do cortejo). Nas novas gerações está a esperança de que a casa real mais importante e monitorada da Europa consiga preservar relevância e vigor sem a coluna de sustentação de Elizabeth. Charles fez o que pôde neste ano 1 da era carolina: pediu desculpas arrevesadas pelas crueldades contra os escravos e pelos danos do colonialismo em suas possessões no Caribe, fechou-se em espartano mutismo diante das críticas e revelações bombásticas do magoadíssimo filho caçula, Harry, engajou-se em discursos de defesa do meio ambiente — até condecorações da Ordem do Império Britânico ele pregou no peito das meninas do grupo de K-pop coreano Blackpink. Por mais que se esforce, ainda está longe de ser popular: as estatísticas mostram que, enquanto 78% dos britânicos com mais de 65 anos apoiam a monarquia, entre os jovens de 18 a 24 anos o índice cai para escassos 32%. Ainda assim, Charles III segue sorrindo e acenando, como reza a tradição.
Publicado em VEJA de 22 de dezembro de 2023, edição nº 2873