Os 27 países da União Europeia (UE) alcançaram nas primeiras horas desta terça-feira, 21, um histórico acordo para superar os estragos provocados pelo coronavírus. O bloco decidiu pela criação de um inédito fundo de 750 bilhões de euros, baseado na mutualização das dívidas.
“Acordo!”, tuitou o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, mais de 90 horas após o início da cúpula em Bruxelas, na sexta-feira passada. Esta foi uma das mais longas cúpulas da história europeia, ao lado da reunião realizada em Nice em dezembro de 2000.
Deal!
— Charles Michel (@eucopresident) July 21, 2020
O pacto ajudará os europeus, especialmente Itália e Espanha, a enfrentar a profunda recessão estimada para 2020, devido à pandemia da Covid-19. Os 27 líderes concordaram em mobilizar 750 bilhões de euros, que a Comissão Europeia tomará emprestados dos mercados financeiros em nome da UE e que serão distribuídos em forma de subsídios (390 bilhões) e empréstimos (360 bilhões).
Apoiado pela chanceler alemã, Angela Merkel, e pelo presidente da França, Emmanuel Macron, Michel foi capaz de manter intacto o valor do fundo, mas precisou fazer concessões aos “frugais” – Holanda, Dinamarca, Suécia e Áustria -, que pediam uma redução do valor.
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Clique e AssineA primeira concessão foi reduzir o volume dos subsídios de meio trilhão para 390 bilhões de euros. Os financiamentos ainda se tornarão uma dívida comum entre os 27, e não apenas do país beneficiado. A vigilância sobre o uso deste aporte também será reforçada.
Se um país apresentar um questionamento sobre o uso dos fundos por um dos sócios em virtude dos planos nacionais de recuperação, que deverão apresentar antes do pagamento, poderá pedir que os 27 membros da UE debatam a questão em nível político. “Mas a Comissão continuará sendo a que tem capacidade de execução do fundo”, frisou o premiê espanhol Pedro Sánchez, cujo país receberá aporte de 140 bilhões de euros, sendo 72,7 bilhões na forma de transferências.
“Serão evitados vetos”, garantiu uma fonte diplomática, em referência à reivindicação feita pelo primeiro-ministro holandês, Mark Rutte, cujo país exigia a unanimidade dos 27 para que um subsídio fosse acordado. Espanha e Itália, os países mais castigados humana e economicamente pelo coronavírus, eram contrários à exigência holandesa.
Orçamento de 1 trilhão de euros
Em troca de seu aval, Holanda, Suécia, Dinamarca e Áustria também conseguiram melhorar suas condições, diminuindo o valor de suas contribuições para o orçamento da UE para o período 2021-2027. Os holandeses irão economizar assim quase 2 bilhões de euros anuais.
“Apesar dos difíceis pontos de partida, os interesses e prioridades suecos tiveram um grande impacto. A contribuição sueca se reduziu”, celebrou o primeiro-ministro sueco, Stefan Löfven, cujo país deve economizar em torno de 1 bilhão de euros anuais.
Após fracassar em fevereiro, os 27 também alcançaram um acordo em relação ao próximo Marco Financeiro Plurianual (MFP), o orçamento comum para os próximos sete anos – o primeiro sem o Reino Unido -, no valor de 1,074 trilhão de euros.
Além das tradicionais políticas agrícola e de coesão, o MFP deve cobrir as novas prioridades, como o Pacto Verde, visto como uma estratégia de crescimento. Já instrumentos importantes, como o Fundo de Transição Justa, perderam recursos.
A pressa pedia um acordo. Devido à pandemia, a economia mundial deverá sofrer uma contração de 4,9% em 2020, uma queda que chegará a 10,2% na zona do euro, e a 9,4%, na América Latina e Caribe, de acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI).
Depois de superar, na última década, uma crise econômica, que opôs os países do norte e do sul, e outra migratória, que dividiu o leste e o oeste do continente, a UE poderá agora se concentrar em seu futuro, que passa primeiro por encerrar sua relação com o Reino Unido.
O MFP, do qual depende o plano de recuperação, ainda precisa da aprovação da Eurocâmara no final do ano. Seu presidente alertou para o risco de uma rejeição, se não houver um acordo “ambicioso”. O primeiro debate está previsto para esta quinta-feira, 23.
Estado de Direito
Outra discussão política que atrasou o desfecho do acordo foi sobre o uso dos recursos comuns para pressionar países que têm adotado ações consideradas antidemocráticas e em desacordo com as regras da UE. É o caso da Hungria e da Polônia, por exemplo.
A Holanda queria incluir um mecanismo para barrar repasses a países que despertam dúvidas sobre a condução de sua democracia, o que o ultraconservador premiê húngaro, Viktor Orbán, chamou de “táticas comunistas”. “Quando o regime comunista decidiu nos atacar [a Hungria foi satélite da União Soviética até 1991], usaram termos jurídicos vagos como os da proposta do holandês”, afirmou Orbán, referindo-se a Rutte.
Como a decisão do Conselho Europeu tinha que ser por unanimidade, o húngaro ameaçava barrar todo o pacote se o texto permitisse “intervenção em seus assuntos internos”. No final, sobraram apenas referências vagas à importância da democracia e Polônia e Hungria se consideraram vitoriosos por conseguirem desvincular os subsídios da situação do Estado de Direito.
Meio ambiente
Um total de 30% do pacote de recuperação foi destinado para gastos com o meio ambiente e novas tecnologias para transações digitais. Os gastos serão guiados por uma nova lógica financeira sustentável, que também incentivará o investimento privado em tecnologias que contribuirão para os objetivos ambientais estabelecidos pela UE, incluindo a mitigação das mudanças climáticas.
Um aspecto importante do plano de recuperação é que a UE aderiu oficialmente a um quadro de sete anos para regular seu orçamento anual. Dessa forma, é a Comissão Europeia, e não os Estados-membros, que supervisionará como o financiamento é gasto. “As despesas da UE devem ser consistentes com os objetivos do Acordo de Paris e com os princípios do Pacto Verde”, diz o acordo.
(Com AFP)