Nada como uma vacina depois da outra. Após um começo de campanha claudicante, com poucas doses disponíveis para seus 445 milhões de habitantes, a União Europeia reorganizou o fornecimento, reforçou as encomendas e, em questão de poucas semanas, reverteu o atraso. Com 43% dos adultos tendo recebido uma dose, quase 20% duplamente vacinados e a expectativa de chegada do verão com as pessoas relativamente protegidas nos 27 países-membros, o bloco acaba de anunciar um vasto plano de reabertura do turismo, indústria essencial para o continente. Os europeus imunizados voltam a poder circular livremente pela UE, bem como estrangeiros vindos de países “seguros”, conforme uma lista ainda não divulgada, mas que deve se limitar a nações asiáticas, europeias e aos Estados Unidos.
A indústria do turismo, que responde por 10% do PIB e emprega um em cada dez habitantes, vibrou com a perspectiva de sair do abismo em que o novo coronavírus a lançou: globalmente, 2020 foi o pior ano da história do setor, com uma perda de receita de 1,3 trilhão de dólares. “Chegou a hora de retomarmos as amizades além-fronteiras, sempre com segurança”, proclamou Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia. A régua para a entrada de estrangeiros é alta: só cidadãos de países que registrem no máximo 25 novos casos de Covid-19 a cada 100 000 habitantes nos catorze dias anteriores à viagem — o que põe o Brasil, com média de 35, longe de passar no corte.
O projeto inclui o lançamento de um passaporte sanitário com informações sobre imunização, presença de anticorpos contra o vírus e resultados de testes negativos para a doença. Cada nação do bloco, porém, tem total autonomia para impor restrições extras ou relaxar as medidas. Antes mesmo da entrada em vigor das novas regras, em quase toda a Europa as praias estão liberadas, restaurantes, bares e lojas funcionam com restrições de lotação e os hotéis se preparam para a temporada de maior movimento. A maioria das atrações turísticas — como a Acrópole de Atenas, o Coliseu de Roma e os museus, palácios e sítios culturais da França — voltou a receber visitantes. “Os europeus estão preocupados com a segurança, mas também estão fartos dos longos isolamentos e desesperados para viajar de novo e aproveitar o verão”, diz Sheela Agarwal, especialista em gestão do turismo da Universidade de Plymouth, no Reino Unido.
As fronteiras europeias estavam praticamente fechadas fazia mais de 450 dias. Um ou outro relaxamento permitiu a circulação entre países da UE, mas de modo geral a indústria ficou paralisada desde março do ano passado. Na Grécia, que recebia mais de 30 milhões de visitantes por ano, a chegada de voos internacionais caiu 70%. Na Espanha, segundo destino mais visitado do mundo e onde 14% da economia depende do turismo, 345 000 pessoas perderam o emprego em 2020 — 90% de todas as demissões da pandemia. “As viagens domésticas não sustentam o setor. Os estrangeiros têm maior poder aquisitivo e se hospedam por mais tempo”, ressalta Tomás Mazón, do Instituto de Investigações Turísticas da Universidade de Alicante. Antecipando-se ao plano da Comissão Europeia, Espanha e Portugal já reabriram as portas aos turistas britânicos, que costumam fazer da Península Ibérica, onde o clima é mais ameno, a sua segunda casa. Bastou a medida ser anunciada para os desembarques começarem. No Aeroporto de Alicante-Elche, que dá acesso à Costa do Sol espanhola, a chegada de aviões do Reino Unido subiu 60% em uma semana. Em Faro, no Algarve português, o salto foi de 30%. O governo espanhol também vai permitir que qualquer pessoa vacinada, independentemente da procedência, entre no país a partir de 7 de junho (os brasileiros terão de esperar a volta dos voos).
Com a aceleração da vacinação, que ajudou a baixar em 60% o número de novos casos em maio, a UE confia em que manterá o vírus sob controle, com quarentenas em áreas pontuais, se preciso. Já foram aplicados mais de 200 milhões de doses e novas remessas vão dobrar esse número até o fim do segundo trimestre. “Se os turistas respeitarem o distanciamento social em locais fechados e os governos continuarem a impulsionar a vacinação e a testagem em massa, o bom momento deve persistir”, avalia Manuel Gomes, epidemiologista da Universidade de Lisboa. Ao que tudo indica, este verão não será, de jeito nenhum, igual àquele que passou.
Publicado em VEJA de 02 de junho de 2021, edição nº 2740