“Há dois meses, a Durex, líder mundial no mercado de preservativos, me ligou com uma proposta inédita: fazer o primeiro comercial de camisinha com um casal homossexual na Polônia. Eu e meu marido, Dawid Mycek, ficamos muito felizes com o roteiro, porque outros três casais heterossexuais participariam do filme e achamos que seria uma boa oportunidade para mostrar que somos iguais a eles. Topamos na hora. A empresa nos contactou por meio do nosso canal no YouTube. Começamos a realizar vídeos sobre nossa vida como uma brincadeira, falávamos de tudo. Produzimos um videoclipe com uma música Some Other Summer, da banda sueca Roxette, que viralizou. A gente se beijava e se abraçava, como qualquer casal hétero. O sucesso extrapolou as redes sociais e foi parar na mídia polonesa quando o grupo postou nosso vídeo em seu site. Esse destaque todo foi uma surpresa para nós, porque a homofobia é crescente em nosso país. A Durex nos disse que era a hora certa de ser representada por um casal gay, mostrando o apoio de uma multinacional à causa LGBT. Todos a empresa e nós acreditávamos que seria histórico. Só que, assim que foi lançado, no início de junho, o comercial foi proibido pela TVP, o canal estatal da Polônia. Foi a primeira vez que o governo interferiu em um comercial dessa forma. Não ficamos chocados, mas sim decepcionados. A comunicação do governo até chegou a negociar com os produtores, tentando convencê-los a nos substituir por um casal hetero. Mas a empresa se recusou e decidiu rodar o conteúdo original na internet e em canais privados. A TVP se justificou dizendo que o comercial poderia influenciar negativamente crianças e adolescentes.
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Clique e AssineNas empresas privadas de comunicação, geralmente não somos atacados. Mas na TVP, eles exibem homossexuais assumidos apenas na cobertura da parada LGBT. Não mostram imagens em movimento, somente fotos de pessoas seminuas, com a intenção de nos sexualizar. Além disso, insinuam que homens gays são pedófilos, que querem entrar nas escolas para ensinar educação sexual às criancinhas. É contra esse estereótipo do homem gay, retratado na TV polonesa, na Rádio Nacional e nos jornais de direita que temos de lutar. Eu trabalhei como produtor na TVP durante nove anos, mas fui demitido há quase três, depois que eu e Dawid gravamos uma música de Natal com um grupo de pessoas LGBT para o nosso canal no YouTube. Meus chefes descobriram e me dispensaram um dia depois. Alegaram que o vídeo era “de mau gosto”. Os diretores do canal fazem tudo o que nosso governo pede. Tenho medo, porque se a TVP diz que não quer pessoas LGBT nos comerciais, em pouco tempo isso pode virar “não queremos LGBTs na Polônia”.
Há um ano, governos locais começaram a criar “zonas livres de conteúdo LGBT”. Não significa que pessoas da comunidade são barradas, mas é proibido promover o que eles chamam de “ideologia gay”. Não podemos usar qualquer artefato com as cores do arco-íris, dar as mãos, ou nos beijar em público. Nossa vida é uma guerra constante, estamos lutando para viver. A Polônia é o país mais homofóbico da Europa atualmente, de acordo com a organização ILGA. Quando andamos nas ruas, temos de olhar constantemente por cima dos ombros para ver se ninguém vem nos atacar. É diferente de outros lugares do mundo: quando nos casamos em Portugal, há três anos, sentimos que podíamos respirar novamente. Mas desde que o PiS, liderado por Jaroslaw Kaczynski, chegou ao poder, em 2015, a situação ficou mais complicada. Nosso casamento não foi reconhecido na Polônia e desconfiamos que fomos investigados. Há cinco anos, esperávamos que uniões civis entre homossexuais se tornassem uma possibilidade real. Agora, nossa única esperança é que a situação não fique pior do que já está. O PiS reformou o sistema judiciário para controlá-lo e isso nos deixou sem justiça independente na Polônia. Quando tentaram detonar uma bomba durante a Parada Gay de Varsóvia, no ano passado, os responsáveis não foram punidos. O presidente atual, Andrzej Duda, está concorrendo à reeleição. Uma de suas promessas é estender as zonas livres de LGBTs para todo o país. Se ele ganhar e cumprir, vamos embora da Polônia. Mas essa não é uma decisão fácil, porque se escolhermos morar no exterior, seria como desistir de nosso país.
Eu gostaria de avisar o Brasil para não seguir o caminho polonês. Tenho a impressão de que o país está passando pelo mesmo que nós passamos, há três ou quatro anos. Não parece muito perigoso no começo. É mais fácil pensar que está tudo bem, que o governo jamais cruzaria determinados limites. Depois de cinco anos, nos deparamos com “zonas livres de LGBTs”.
Os preconceitos não podem vencer. Pessoas não deveriam ser julgadas por sua orientação sexual, mas por suas ações. Por enquanto, eu e Dawid temos o amor como nossa maior força. Chegamos a receber ameaças de morte, quando nos tornamos famosos. Ficamos com medo, mas aqui estamos denunciando tudo isso. A censura ao comercial de camisinha mostrou à nossa comunidade que é possível sobreviver, aconteça o que acontecer.”
Depoimento dado a Amanda Péchy