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Faltaram metas do governo para o combate à Covid-19, diz Vicente Falconi

Guru dos empresários nacionais, o consultor de negócios critica a gestão da crise feita na esfera federal

Por Machado da Costa Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 14h09 - Publicado em 26 jun 2020, 06h00

Poucos consultores de negócios possuem uma carteira de clientes tão impressionante como Vicente Falconi. Ao longo das últimas décadas, dirigentes de empresas como Gerdau, BRF, Ambev, entre outras, se valeram de seus ensinamentos para construir e se consolidar em posições de liderança em seus segmentos. Seus conselhos se mostraram fundamentais especialmente em momentos de crise, tanto no mundo público quanto no privado. Falconi participou ativamente, em 2001, do grupo de trabalho para a solução do apagão energético, durante a gestão Fernando Henrique Cardoso. Recolhido em sua casa durante a quarentena imposta pela pandemia, o consultor mostra-se bastante crítico com a gestão da crise sanitária e econômica feita pelo governo federal. Questões de gestão básica, segundo ele, foram ignoradas até aqui. Ele cita como exemplos o número insuficiente de testes e a ausência de uma métrica mais adequada para acompanhar a evolução do vírus no país — se o número absoluto de mortes ou se o valor ponderado pelo tamanho da população. Outra falha grave, de acordo com Falconi, foi a falta de um objetivo claro (meta) a ser alcançado no enfrentamento da Covid-19. “O que não é medido não é gerenciado”, resume o niteroiense de 79 anos. A seguir, a entrevista concedida pelo consultor em Belo Horizonte, por um aplicativo de vídeo.

Como o senhor vê o enfrentamento desta crise? Todas as crises são diferentes e têm características próprias. Algumas são de caráter emergencial, em outras há tempo para se preparar. Um exemplo do primeiro tipo foi o tsunami que ocorreu no Japão, em 2011. Não há como se planejar para um evento como esse. No segundo tipo, coloco a crise elétrica brasileira, de 2001, quando se sabia que haveria problemas na produção de energia do país. Independentemente da natureza de cada uma delas, o mais importante é saber a meta a ser alcançada no processo de solução, pois é exatamente isso que significa gerenciar uma crise. Até hoje tenho a apresentação que fiz para o Pedro Parente, então ministro da Casa Civil, sobre a crise de energia e que deixava clara a importância de estabelecer os objetivos a ser atingidos. Ninguém sabia o que fazer exatamente naquela época. Chegaram a sugerir um apagão de até três horas. Uma maluquice total, porque os hospitais não tinham geradores — iria morrer muita gente. Somente depois de estipularmos a meta, que era a redução do consumo de energia, conseguimos estabelecer um plano. É preciso definir um plano de ação para cada tipo de indústria, serviço e comércio a partir de uma meta. Isso vai se desdobrando de acordo com as diferentes situações. Obviamente que esse era um problema mais simples do que o que enfrentamos hoje, mas com nosso plano conseguimos salvar o avanço do PIB, que foi de 1,5% naquele aquele ano.

Qual deveria ser essa meta no caso da Covid-19? Em gestão, existem componentes muito importantes. O primeiro é uma liderança forte. Depois, conhecimento técnico. O terceiro componente seria o conhecimento gerencial, que é o mais importante para estabelecer os indicadores relevantes e definir as metas. No caso da atual crise de saúde, é preciso chamar os técnicos do SUS — os médicos e especialistas. Eu imagino que no comitê em Brasília exista esse corpo técnico. São eles que precisam definir essa meta, não eu ou qualquer outra pessoa.

“Não temos boa gestão desta crise, pois, se há algo fundamental, é ter o indicador correto. Tudo tem sido feito com dificuldade, de forma ainda distante de uma análise precisa”

O governo demorou a se preparar para a crise? Eu creio que não. Não devemos analisar fatos consumados, porque esta crise é inusitada. Estamos aprendendo no dia a dia, e o ser humano demora um pouco mesmo para se situar nos problemas. Pelo que vi, houve até alguma antecipação. Vários países entraram na crise antes do Brasil, e as autoridades conseguiram se preparar, com a construção de hospitais de campanha, por exemplo. Houve até o caso da importação de equipamentos que ficaram parados em Miami, porque o governador da Flórida usou uma lei para reter o avião. Claro, essas situações não podem ser antevistas, mas fica evidente que as ações já estavam sendo tomadas antes de a crise se tornar mais aguda. O Brasil é um país muito grande e várias regiões responderam de formas diferentes. Por exemplo, eu estou em Minas Gerais e me parece que o impacto da crise será menor por aqui. Possivelmente, o mineiro vai sofrer um pouco menos que paulistas, fluminenses e amazonenses, que entraram nela mais rápido. No geral, houve um certo tempo de preparo, não foi algo como um tsunami.

O processo de reabertura está acontecendo em algumas regiões, enquanto outras estão fechadas. O senhor acredita que essa é a abordagem correta? Certamente. O Brasil, sozinho, é mais extenso territorialmente que a Europa ocidental. Além disso, é muito diversificado, com diferenças culturais e também econômicas, como recursos de infraestrutura. A abordagem precisa ser local.

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Durante a pandemia, o governo se atrapalhou com o sumiço de dados sobre o número de casos e de mortos. Quanto isso pode ser prejudicial para a solução da crise? Eu tenho uma regra: “O que não é medido não é gerenciado”. É importantíssimo para o processo de tomada de decisão ter a informação certa e pessoas competentes em análise da informação.

Os números de infectados e mortos no Brasil colocam o país como um exemplo de má gestão? O problema principal está na questão estatística. Ela muitas vezes engana. Tem de ter um indicador certo e, nesta altura da pandemia, ainda discutimos isso. O que me leva a crer que não estão caprichando muito na gestão, pois, se há algo fundamental, é ter os números corretos. Desde o início da crise se discute a questão dos baixos índices de testes realizados na população. Tudo tem sido feito com muita dificuldade, de forma ainda muito distante de uma análise mais precisa. Até lá, não poderemos sequer comparar os números daqui com os de países que fizeram mais testes ou identificar no exterior estratégias que sejam mais indicadas para a nossa realidade.

Onde o país precisa investir para melhorar a gestão pública? Vou responder citando o que vi em 1989, quando fui a Washington, nos Estados Unidos, fazer um curso. O professor era bem velhinho e dava aula sentado, para 800 pessoas. Naquela sala enorme, vi muitos militares, todos de uniforme. Disseram-me que eram servidores públicos — aliás, 60% dos que estavam ali eram funcionários do Estado. Senti inveja, porque não há esse incentivo de aperfeiçoar o funcionário público no Brasil. Eu sei que no governo federal, nos estaduais e municipais tem muita gente boa, de primeiro nível. Mas não se pode tocar um país apenas na base do bom senso. O Estado brasileiro precisa adotar uma gestão empresarial. Não tenho de me estender muito para dizer que o Estado brasileiro é marcado pela cultura do desperdício e da ineficiência. É um fato que o país sofre com a falta de dinheiro para cuidar da saúde, da educação e da segurança, mas que gasta com excesso de funcionários.

Muito se fala em recuperação da economia em V — ou V de “Nike”, como comparou o ministro Paulo Guedes com o desenho da marca da fabricante de artigos esportivos. Como o senhor prevê a retomada? Sou um otimista. Creio que podemos nos recuperar rápido, mas vai depender bastante do Congresso. O Novo Marco do Saneamento está saindo — falam em 500 bilhões de reais em investimentos. Vamos precisar privatizar radicalmente, acelerar as concessões de infraestrutura e aprovar as reformas tributária e administrativa. Se tudo isso for feito, vai ser V com honras.

Como o senhor vê a saúde das empresas? Cada empresário, cada executivo, está lutando com o que tem em mãos. Temos clientes na área de alimentação que estão indo bem, exportando, com fábricas funcionando a pleno vapor. Por outro lado, sabemos que muitas empresas não vão tão bem. A crise de 2008 ensinou a muitas empresas como se estruturar para enfrentar melhor novos solavancos. Acredito que a maioria das companhias estava razoavelmente estabilizada, mas, mesmo assim, esta crise vai machucar o caixa de muitas delas. Por isso, a gestão de caixa é sempre um diferencial importante. Na recuperação, um dos fatores mais importantes serão as pessoas que estão dentro da companhia. Os gestores terão de manter os melhores e investir em treinamento.

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Como vê a relação do investidor estrangeiro com o governo brasileiro? Se nós queremos investimentos externos, temos de ter estabilidade política e responsabilidade fiscal, porque ninguém é besta. Estrangeiro não coloca dinheiro em ambiente volátil. Tudo é controlado, medido — eles sabem de todos os riscos. Existe, obviamente, muito dinheiro lá fora, que está pagando juros negativos. Mas, para vir para cá, o Brasil precisa se mostrar um porto seguro, e não estamos sendo bem- sucedidos nisso. No entanto, há um ponto importante que é preciso falar: o capital estrangeiro que saiu e pressionou o dólar era o capital rentista, que só estava aqui por causa do juro alto. Se a gente passar a fazer as coisas direito, estabilizar o país, não criar crises, esse capital vai voltar. O Brasil tem um potencial espetacular. Temos de tudo e somos pacíficos. Somos uma potência agrícola. Por isso, se fizermos as reformas, as privatizações, as concessões e uma nova política ambiental, o mundo vai se virar para nós. Está sobrando dinheiro lá fora. As notícias que tenho de amigos que possuem fundos de investimentos é que nos últimos meses aumentou o número de consultas desses investidores. Se passarmos os sinais corretos, eles vão voltar.

“Se nós queremos ter investidores aqui, temos de ter estabilidade política e bastante responsabilidade fiscal, porque ninguém é besta. Estrangeiro não coloca dinheiro em ambiente volátil”

O Brasil tem condições de sair da crise sozinho? Temos um sistema financeiro muito robusto, o melhor de toda América Latina. A partir disso, é possível constituir fundos e seguir para algumas ações focadas nas privatizações e concessões. O Banco Central reduziu recentemente a taxa básica de juros para 2,25% ao ano, e isso deve liberar muito dinheiro para investimentos. Muitos ficariam satisfeitos em aplicar em saneamento por meio de fundos, por exemplo.

O senhor acredita que possa surgir um capitalismo mais consciente, mais responsável, desta crise? Aprendi em minha vida que cultura é algo que demora para mudar. É claro que algumas alterações de percepção estão acontecendo, e isso deve impactar na forma como as empresas se relacionam com a sociedade. Mas não tenho certeza de que essa visão de mundo um tanto quanto utópica vá se concretizar de fato. Uma mudança cultural desse nível não acontece da noite para o dia. O que vemos são empresas de comércio eletrônico se destacando e suas ações subindo. Acredito que teremos um mundo mais tecnológico e mais colaborativo. O resto, ninguém sabe na verdade. O que, obviamente, não nos impede de sonhar com o mundo que nós queremos.

Publicado em VEJA de 1 de julho de 2020, edição nº 2693

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