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“Não há litígio”, diz Dody Sirena, ex-empresário de Roberto Carlos

O homem que pilotou por décadas a carreira do cantor — e ajudou a pôr o Brasil na rota dos grandes shows — afirma que rompeu com o rei sem mágoas

Por Sofia Cerqueira Atualizado em 3 jun 2024, 17h05 - Publicado em 3 Maio 2024, 06h00

Nome indissociável do show business brasileiro, lembrado por seu duradouro elo com Roberto Carlos, de quem foi empresário por três décadas, Dody Sirena, 63 anos, conhece como poucos os efervescentes bastidores de palcos prestigiados, nos quais, mesmo sem aparecer, sempre foi figura central. Além de desfrutar a intimidade do rei, com quem rompeu em 2023, tendo adquirido um olhar privilegiado sobre seu vasto repertório de particularidades, Sirena trouxe à cena nacional estrelas como Michael Jackson, Paul McCartney, Guns N’Roses, Coldplay, U2 e Julio Iglesias, ajudando a cravar o país na rota internacional. Esse currículo faz dele testemunha dos altos e baixos das celebridades com quem conviveu, histórias agora reunidas na biografia Dody Sirena: Os Bastidores do Show Business (Editora Matrix), escrito pela jornalista Léa Penteado e às vésperas de ser lançado. Hoje, ele segue entremeando negócios na área do entretenimento com sigilosas costuras para atrair ao Brasil artistas de envergadura. Entre Miami e São Paulo, de onde falou a VEJA, Sirena garante: “O casamento com Roberto não acabará na Justiça”.

Depois de décadas gerenciando a carreira de Roberto Carlos, o que levou ao rompimento? Terminamos o casamento de forma amistosa, sem briga. Tivemos, sim, nossas reflexões, sobretudo a partir da pandemia, um período intenso para o Roberto. Todos os cuidados de higiene que a humanidade aprendeu nesse período, ele já adotava, e se potencializaram. E naquele momento, para mim, surgiu a chance de expandir os negócios. Passei de cinco para 28 empresas. De comum acordo, entendemos que nosso ciclo havia se encerrado.

Chegou a circular que desavenças financeiras entre vocês iriam parar na Justiça. Procede? Não há litígio. Nesse campo, aliás, sempre nos entendemos bem. Nunca tivemos sequer um documento, um contrato assinado. A relação se baseou na confiança. No final, é natural, precisamos falar de números. Havia feito alguns empréstimos a Roberto, como o dinheiro para a compra do avião dele (um Gulfstream). Nossos escritórios acertaram tudo. Nunca processei nenhum artista e não faria isso com ele.

Como conquistou a confiança de Roberto? A sintonia foi instantânea, ele se mostrou aberto às minhas provocações. O Roberto tem uma mentalidade diferente da de muitos profissionais que eu conheço. Não ligava o tempo todo, conversávamos durante os voos. Ele não tem a cultura do artista latino que vê o empresário como baby-sitter.

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Como lidou com as notórias manias do rei? Do mesmo jeito com que encarei pedidos vistos como excêntricos de estrelas internacionais, como no Rock in Rio, quando era responsável por atrações como o Prince, que exigiu centenas de toalhas brancas. Já o George Michael pediu uma academia só para ele. Aprendi que tudo fica mais fácil quando se entendem as particularidades das celebridades sem questionar. Roberto tem as suas, claro. No começo, diziam que era supersticioso. Mais tarde descobriu-se que o que tinha, na verdade, era transtorno obsessivo-­compulsivo (TOC).

Ele fez tratamento? Sim. Logo que se começou a falar mais sobre TOC, marquei consulta com uma especialista. Para não expor o Roberto, fui como se fosse eu o paciente. Aí ele passou a se tratar, embora haja comportamentos que permanecem. Alguns têm TOC relacionado à higiene, outros associados a caminhos ou ainda a números. Com ele, são os três. Em uma ocasião, estávamos às voltas com uma campanha de um cartão de crédito que levaria o nome dele. Sua exigência era que a numeração deveria conter uma sequência na qual, feita “a prova dos 9”, o resultado fosse 2. A direção da empresa precisou fazer uma combinação, normalmente aleatória, especial para o Roberto. Para ele, itens valiosos não podem trazer no final os numerais 0, 6 ou 13, por não achá-los positivos.

Como convenceu Roberto, raramente visto em peças publicitárias, a participar de uma grande campanha de cerveja, nos anos 1990? Ele resistia a associar o nome dele a marcas, ainda mais de bebida alcoólica. Nessa história da cerveja, além de lembrá-lo de bem-sucedidas campanhas protagonizadas por artistas, como a do Michael Jackson com a Pepsi, eu e o publicitário Eduardo Fischer produzimos um dossiê de 200 páginas sobre a cevada. Dizia, entre outras coisas, que já havia sido usada em hóstias na Igreja. Ele acabou topando.

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“Michael Jackson estava no auge quando desembarcou no Brasil. Pediu uma suíte de 720 metros quadrados sem cinzeiros, um parque de diversões à disposição e um guarda-chuva de última hora”

Quais os bastidores daquela campanha de uma marca de carnes, que gerou tanta polêmica, até ser interrompida? O filme era embalado pelo refrão: “Eu voltei agora pra ficar”. Logo que foi ao ar, virou uma grande polêmica. O público criticou dizendo que ele era vegetariano e que havia feito por dinheiro. O que não sabiam é que já tinha deixado de ser vegetariano havia tempos, por recomendação médica. Em meio à confusão, pedimos para interromper o trabalho, que teria mais dois filmes.

Houve momentos de alta tensão entre vocês? Lembro quando a mãe dele, Lady Laura, morreu. Era 2010, e o Roberto faria um show no Radio City, em Nova York. Acabei tomando a decisão de não lhe contar antes de pisar no palco. Ele não poderia fazer nada naquele momento. Deixei-o afastado do celular e providenciei um avião para que chegasse a tempo do velório no dia seguinte. No fim da exibição, dei a notícia. Roberto ficou transtornado, e achei que nossa parceria terminaria ali. Para minha surpresa, ele me abraçou e disse: “Você fez o certo. Frank Sinatra também deu show no dia da morte da mãe”.

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O senhor acompanhou de perto várias perdas de Roberto, entre elas a da mulher, Maria Rita, e do filho Dudu. O luto o levou a uma zona sombria? Foram lutos doloridos. Ele ficou realmente perturbado com a morte da Maria Rita e só voltou aos shows um ano depois. Na época, compôs a música Índia, que o fazia lembrar-se dela. Só conseguiu lançá-la após seis anos. Com Dudu e Erasmo Carlos, também sofreu demais, mas acho que estava mais preparado para enfrentar a dor.

Um dos grandes shows que produziu foi o de Michael Jackson. Teve contato com suas extravagâncias? Claro. Sua vinda, em 1993, envolvia grande expectativa. Era seu primeiro show no país, e ele estava no auge da carreira. Demos a ele tudo o que queria: uma suíte de 720 metros quadrados sem cinzeiros, estrutura de hospitality center 24 horas e até um parque de diversões à disposição. Michael queria se sentir em casa. Ao pousar, apareceu um pedido extra. Ele precisava de um guarda-chuva para se proteger do sol. Foi uma tremenda correria para que não desembarcasse sem a tal sombrinha.

É verdade que quase perdeu a produção desse show para Xuxa e sua então empresária, Marlene Mattos? Marlene ofereceu um cachê bem mais alto à empresa americana, com a qual eu já havia acertado. Mas eis que o dono me procurou, disse que ela tinha perdido prazos e que queria selar o negócio com alguém que não fosse “leviano”. Em consideração à Xuxa, com quem tinha boa relação, eu o convenci de que ela poderia entrar como investidora e eu, com a produção. E assim aconteceu.

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O senhor foi responsável pela icônica apresentação da banda Guns N’Roses em São Paulo, também nos anos 1990. É difícil lidar com o vocalista Axl Rose, como se diz? Sim. O Axl vinha de uma turnê cheia de relatos de seu temperamento explosivo e de problemas com drogas. Aí chegou no hotel, e sua equipe pediu que falasse com a imprensa. Irritado com a insistência, ele arremessou uma cadeira na direção dos jornalistas. Deu trabalho contornar a situação. Houve boletim de ocorrência e o risco de ser preso. Ainda nesses dias, ele saiu escondido à noite para rezar em uma igreja.

Como acabou ficando amigo de Julio Iglesias? No início da minha carreira, negociei doze shows dele, mas, na véspera, ele interrompeu a turnê. A saída de cena durou quatro anos. Soube depois que foi em razão de uma plástica malfeita — ele ficou com um dos olhos muito repuxado. Para aliviar o prejuízo, seu empresário me deu a exclusividade do artista, para quando voltasse a cantar no país. Iglesias e eu nos aproximamos, a ponto de ele ir ao meu sítio, onde nadava e queria tomar sol para ficar bronzeado.

Que outros prejuízos amargou? Um dos maiores foi a apresentação cancelada de Luciano Pavarotti com Roberto Carlos em Minas Gerais, em 2006. Estava tudo certo para a vinda do tenor, mas ele precisou ser hospitalizado. Doente (teve um tumor no pân­creas), nunca mais deu shows. Tínhamos feito todos os seguros e esquecido de um, justamente o de no-show. Foi um prejuí­zo de milhões.

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“Após o ápice, Frank Sinatra e Paul McCartney reduziram suas apresentações. Se eu fosse empresário do Roberto hoje, não faria o que ele está fazendo, um show a cada esquina”

Pode contar com mais detalhes como atuou no episódio em que as comemorações da Copa de 2002, vencida pelo Brasil, quase viraram um fiasco? Havia um risco concreto de que, na volta da seleção, Ricardo Teixeira, então presidente da CBF, levasse os jogadores para festejar em Fortaleza com Ciro Gomes (pré-candidato à Presidência), no lugar de Brasília. A encrenca é que ele não queria dar holofotes ao Fernando Henrique Cardoso, com quem estava rompido por causa da CPI que investigava supostas irregularidades na Copa de 1998. Como eu conhecia bem o Ricardo, fui chamado para ajudar a apagar o incêndio. Ficou acertado que, além dos atletas, também membros da CBF seriam recebidos no Planalto, selando a paz.

Ainda no universo do futebol, seu nome chegou a ser alvo de uma CPI que mirava um escândalo envolvendo uma empresa suíça e o Grêmio. Foi resolvido? Representava no Brasil a suíça ISL, que já foi uma das maiores empresas de marketing esportivo do mundo. Nessa fase, intermediei uma parceria com o Grêmio, fui remunerado por isso, e só. Quando a ISL envolveu-se em escândalos de corrupção e faliu, fui denunciado pelo Ministério Público, mas provei que não tinha a ver com qualquer irregularidade.

Em 2020, seu nome circulou nas rodas políticas ao anunciar que cuidaria das palestras do ex-ministro e agora senador Sergio Moro. Por que não seguiu adiante? O acordo era que pararíamos de representá-lo caso se candidatasse, e ele se filiou ao Podemos, em 2021, com essa ideia. Se gosto dele? Essa é uma questão delicada. Posso dizer que não temos uma relação pessoal.

Voltaria a fazer trabalhos com Roberto Carlos? Como qualquer relação que termina, houve um distanciamento natural, mas parcerias podem, sim, acontecer. Comparo Roberto a Frank Sinatra, Pavarotti e Paul McCartney, mas estes, após o ápice da carreira, reduziram suas apresentações e suas aparições viraram acontecimentos. Se fosse seu empresário hoje, não faria o que ele está fazendo. É um show a cada esquina.

Publicado em VEJA de 3 de maio de 2024, edição nº 2891

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