Vicente Falconi defende acionistas da Americanas: “Prejulgamento injusto”
O conceituado consultor, guru de grandes empresários, diz que o caso não pode manchar o estilo de gestão brasileiro
Aos 82 anos, o mais influente consultor de gestão do país, Vicente Falconi, se declara aposentado. Sua rotina, contudo, indica o avesso do descanso. Esbanjando vigor, ele participa de conselhos de administração de grandes empresas, como da nova Eletrobras privatizada, e da consultoria que leva o seu sobrenome, o Grupo Falconi, responsável, em parte, pelo sucesso administrativo de gigantes como Gerdau e BRF. De sorriso largo, costuma acordar antes de o sol nascer, e faz diariamente o exercício de se perguntar: “O que a vida me reserva de bom hoje?”. A resposta costuma ser a oportunidade de conversar com grandes nomes do mundo empresarial. Entre os seus mais conhecidos interlocutores estão Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Sicupira, junto aos quais desenvolveu um estilo de gestão que garantiu o sucesso dos negócios do trio. O grupo controla a maior cervejaria do planeta, a AB InBev, e as companhias americanas de alimentação Burger King e Kraft Heinz. Falconi trabalhou com eles desde que assumiram a Brahma, no início dos anos 1990. Agora, enredados no escândalo contábil das Lojas Americanas, da qual são os principais acionistas, os três empresários têm Falconi como fiel defensor. Ele falou a VEJA em seu escritório de São Paulo.
Qual a percepção do senhor em torno do clima atual para os negócios no Brasil? Poderia ser menos difícil, não é? Estou sentindo um ambiente de muita incerteza. Não tem um IPO (abertura de capital de empresa na bolsa de valores) acontecendo. Todo mundo está com o pé atrás, segurando o caixa. Está difícil, por várias razões que nem deveriam existir. Não consigo ver ainda no horizonte uma certeza da linha econômica que será adotada pelo governo. Mas não vejo nenhuma situação apocalíptica. Uma vez que for aprovado o arcabouço fiscal no Congresso, e tirando todas as declarações de políticos do caminho, para olharmos só para o eixo condutor da economia, teremos o caminho definido.
O governo alega haver má vontade dos empresários. Ela é real? Não vejo muita ideologia entre o empresariado. Não sinto isso. Existe muita praticidade. A maneira de o empresário pensar é diferente da do restante das pessoas. Hoje, o ambiente é de incerteza. Se você quiser reduzir juros na marra, como deseja o governo, vamos ter um voo de galinha. Daqui um ano ou dois, vai ocorrer o que aconteceu com a gestão de Dilma Rousseff. Ela soltou as amarras e o Brasil caiu em uma depressão terrível. Economia não é política. Economia é matemática, com um pouquinho de emoção. Todo mundo sabe que, se o equilíbrio fiscal for mantido, a taxa de juros vai cair. Não tem ideologia nisso.
Como avalia a gestão do ministro da Fazenda, Fernando Haddad? Ele me parece uma boa pessoa. Ninguém, na esquerda, quer que o Haddad erre, a não ser quem está disputando com ele para ser o próximo candidato a presidente. Se ele errar, o governo vai mal.
“Economia não é política. Economia é matemática, com um pouquinho de emoção. Todo mundo sabe que, se o equilíbrio fiscal for mantido, a taxa de juros vai cair. Não tem ideologia nisso”
E na direita, aposta-se no quanto pior, melhor? No fundo, todo mundo quer melhorar sua condição, viver um pouco melhor. Não tenho nenhum receio de governo de direita ou esquerda, contanto que mantenha o rumo certo do país. Economia não tem cor, não tem partido.
A revelação dos problemas contábeis nas Lojas Americanas e a sua recuperação judicial estão contribuindo para o momento mais pessimista? Pode até ser que tenha amedrontado um pouco o mercado interno. Lá fora, no exterior, em relação ao Brasil, não. Isso é mixaria para eles. O problema é aqui. Pelo tamanho do mercado local, o problema é significativo. É muito triste o que aconteceu.
E o que aconteceu? Sei tanto quanto vocês. Estou acompanhando pela imprensa. É óbvio que tenho uma posição privilegiada, por conhecer os três (Lemann, Telles e Sicupira) e por conhecer sobre governança corporativa. Trabalhei com o trio por trinta anos e ainda mantenho relações de amizade. São pessoas fantásticas pelas quais eu tenho a maior admiração e confiança. Tive privilégio de chegar na Brahma em 1991, como consultor, pouco depois de ela ter sido adquirida por eles. Fui parte do primeiro conselho que montaram na empresa, formado apenas por nós quatro, antes da fusão com a Antarctica e a formação da Ambev. Participei de centenas de reuniões. Nunca ouvi nada deles que soasse como antiético. Até porque, se ouvisse, não teria ficado trabalhando com eles, como não fiquei em outros lugares. Pelo contrário, são pessoas que não querem deixar nada para trás, querem fazer tudo certo.
É possível falar em participação dos três no episódio, de terem conhecimento da fraude que estava sendo feita nos números? Eles são incapazes de promover por conta própria esse tipo de coisa. Então, eu tenho certeza de que ali não tem nada. Em governança corporativa, os sócios se organizam em assembleia-geral, que tem a autoridade de nomear os integrantes do conselho de administração. Os conselheiros definem o planejamento estratégico e as metas a serem perseguidas pelos executivos da diretoria. Eles não têm a menor ideia do que acontece ali dentro. Só recebem aquilo que é passado pelos executivos em reunião e precisam confiar neles. Para não ficar só na mão das informações da diretoria, que vai preferir falar só sobre as coisas boas, o conselho recebe também informações de uma auditoria interna, que pode ser tendenciosa, e de uma auditoria externa contratada para informar o que está errado. O conselho acredita na auditoria e os sócios acreditam no conselho. No caso das Americanas, a auditoria externa não detectou o problema. Se ela não detectou, como os sócios vão detectar? Você acha que eles queriam lesar outros sócios das Lojas Americanas? Pensa bem. Estão preocupados em investir. Não poderiam, é claro, sujar o próprio nome.
Mas como é possível não perceber inconsistências contábeis que elevam as dívidas a mais de 40 bilhões de reais? Não entro em especulação. Só estou explicando tecnicamente como funciona a estrutura. Claro que todo mundo tem suas hipóteses, mas são só hipóteses. Isso pode acontecer em qualquer lugar do mundo. Aconteceu com a Enron, nos Estados Unidos. Várias desonestidades acontecem. Você está no meio de seres humanos. O que não admito são prejulgamentos sem base e sem entendimento do que é governança. É algo completamente irresponsável.
O senhor conversou com eles sobre o assunto? Me coloquei à disposição como amigo, mas nada além disso. E vamos combinar que isso não é assunto para gestão. É assunto de advogado, auditoria, Polícia Federal… Podem estar certos de que eles estão fazendo um trabalho sério de investigação. Conheço a turma. Eles não são de brinquedo, não. Pode ter certeza de que vão pôr tudo em pratos limpos. Todo mundo que está dando declarações apressadas vai ficar sem graça.
Esse episódio põe em xeque a imagem dos executivos brasileiros no exterior e outros negócios controlados pelos três empresários? Não. Os sócios estão muito distantes do que está acontecendo. Não tem a menor possibilidade de os três terem qualquer tipo de envolvimento. Eu vejo muita injustiça em prejulgamentos. Se quem acusa tem evidências, coloque-as na mesa, mas não faça declarações genéricas contra pessoas.
“Trabalhei com Lemann, Telles e Sicupira por trinta anos. Nunca ouvi nada deles que soasse como não ético. São pessoas que não querem deixar nada para trás, querem fazer tudo certo”
No meio dessa confusão toda, até o estilo de gestão que o trio estabeleceu para as suas empresas, e o qual a Falconi ajudou a desenvolver, foi posto em questão, com críticas de que se buscava o resultado a qualquer custo, de forma agressiva. Como vê isso? Vejo até com uma certa compreensão. As pessoas gostam de prejulgar. Mas o que aconteceu não tem nada a ver com gestão. Tem a ver com honestidade. Não houve falha de gestão. Ou você faz as coisas certas ou não. O que é gestão? É tirar uma empresa quebrada, horrível, como era a Brahma, em 1989, e começar uma revolução. O Brasil hoje é parte importante na maior cervejaria do mundo por causa deles. Eu vi pessoas serem excluídas da Brahma e da Ambev por problemas muito menores. Os três não admitem desvios éticos em nenhuma hipótese, por menor que seja. Ética é amor ao próximo. Se você tem amor ao próximo, você não desvia dinheiro. Você acha que alguém sem amor ao próximo vai gastar 1 bilhão de reais por ano com filantropia, como eles fazem? O Jorge Paulo (Lemann), eu posso garantir, é louco por educação e pelo futuro dos jovens.
Os métodos de gestão desenvolvidos pela Falconi e pelas empresas do trio revolucionaram a administração das companhias brasileiras. Há uma brecha para nova reviravolta, com o avanço de recursos como o da inteligência artificial (IA)? O método, não muda, mas a prática, sim. O método cartesiano, desde 1600, ainda resiste, e segundo ele só existe aquilo que pode ser provado e medido. René Descartes (1596-1650) foi um gênio. Todas as consultorias usam ele, com outro nome, mas ninguém inventou nada. Temos uma empresa no Grupo Falconi que está trabalhando para pôr o método cartesiano em uma plataforma digital. É um sucesso. Esse caminho agiliza a gestão e melhora a precisão. Por exemplo, tivemos a pandemia. Imagina se tivéssemos um grupo no Ministério da Saúde com inteligência artificial, mapeando todo mundo que estava hospitalizado, no maior detalhe de cada caso. Teríamos melhorado o combate à Covid-19 e teríamos economizado centenas de bilhões de reais. É sobre isso que estamos tratando aqui na nossa organização: um módulo de inteligência artificial para o país. Estamos com 138 projetos de IA em empresas e estamos muito animados. O meu sonho é ter projetos desse tipo com o governo. Quase conseguimos com o Luiz Henrique Mandetta (ex-ministro da Saúde) na época da pandemia. Mas ele saiu antes.
A inteligência artificial, portanto, não é apenas discurso, já está sendo de fato aplicada em empresas brasileiras? Temos um cliente superavançado no assunto. Já há muitos resultados aparecendo. Temos clientes de médio porte que estão brigando com gigantes internacionais e dando muito trabalho. Informação nas mãos de bons gestores vale ouro, como sempre valeu. Hoje você puxa centenas de milhões de dados direto do computador, e sem erros, sem precisar copiar no dedo. É igual a um raio. Sou de um tempo em que os meus programas ficavam em cartões. Eu tinha de andar com uma caixa de cartões. Precisava numerá-los para não perder a ordem, se deixasse a caixa cair. Felizmente, não é mais assim.
Publicado em VEJA de 3 de maio de 2023, edição nº 2839