No fim do mês passado, Jair Bolsonaro convocou um grupo de aliados para dar a extrema-unção a um projeto que parecia capaz de operar milagres: o Aliança pelo Brasil, o partido conservador que nasceria para abrigar o presidente e seus apoiadores. Passado pouco mais de um ano, quase tudo deu errado. Desentendimentos dividiram o grupo político que se filiaria à legenda. Os fundadores, prejudicados pela pandemia, só conseguiram até agora 16% das 492 000 fichas de inscrição exigidas pela Justiça Eleitoral. Por fim, a estrela da companhia, Bolsonaro, está prestes a pular nos braços de outro partido. Para participar das eleições de 2022, o Aliança precisará receber o registro até abril do ano que vem, algo pouco provável de ocorrer. Além disso, siglas recém-nascidas não têm direito a tempo de TV.
Como motivação adicional para pular fora do barco fazendo água, Bolsonaro quer se distanciar de alguns dos cabeças da legenda, sobretudo do vice-presidente, Luís Felipe Belmonte, um dos alvos do processo que apura o financiamento de atos antidemocráticos, que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF). Não é a única encrenca relacionada ao cacique do Aliança. Outro inquérito corre sob sigilo na 10ª Vara do TRF em Brasília. Fruto de uma investigação iniciada em 2018, ele mira em suspeitas de enriquecimento ilícito. “Desconheço essa investigação, mas não me preocupo. Tudo meu tem origem”, disse Belmonte, ao ser questionado por VEJA. Suplente do senador Izalci Lucas (PSDB-DF) e marido da deputada Paula Belmonte (Cidadania-DF), ele declarou 65,7 milhões de reais ao TSE em 2018. Pode ser que o montante seja maior. O OCCRP, consórcio de jornalistas internacionais, revelou que Belmonte possuiu uma cota de uma empresa no paraíso fiscal de Luxemburgo, não declarada ao Fisco no Brasil. “Essa empresa não é minha. Eu apenas a contratei para cuidar dos meus investimentos, mas nem sequer investi”, afirma.
Na política, o polpudo patrimônio dele ajudou a financiar o lançamento do Aliança e lhe garantiu posição de destaque na sigla. No Congresso, uma passagem de Belmonte é reveladora, de acordo com o deputado Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ). Em 2019, depois de uma reportagem de VEJA que dissecou o patrimônio de Belmonte, ele procurou o deputado Sóstenes. De acordo com o parlamentar, ele se apresentou, disse que estava preocupado com a repercussão e pediu ajuda para limpar sua imagem junto a Bolsonaro — Sóstenes tem livre acesso ao presidente. Em seguida, segundo o deputado, um homem que acompanhava Belmonte sugeriu que Sóstenes deveria atender à solicitação porque Belmonte era “generoso”. “Eu não entendi, só achei estranho e disse que não atenderia ao pedido”, relatou Sóstenes a VEJA. Belmonte nega que tal diálogo tenha ocorrido. “Não compro pessoas”, jura. Belmonte reconhece, porém, que a grana foi sua chave de acesso ao poder. Ele doou 3,9 milhões de reais nas eleições de 2018, sendo 1,4 milhão para Izalci, que deve se candidatar a governador do Distrito Federal em 2022. Caso o tucano seja eleito, Belmonte herdará o mandato no Senado. Ele costuma dizer que essas contribuições de campanha e a eleição de sua esposa, Paula, foram sua “porta de entrada” para a política — nessas palavras. “Isso está declarado. E eu não gosto de falar de números. Aprendi com os ingleses: falam de tudo menos de dinheiro”, diz.
O enrolado Belmonte não é o único ponto que afasta Bolsonaro do Aliança. Na avaliação do presidente e de assessores, após a instauração do inquérito dos atos antidemocráticos, a imagem do partido ficou indissociavelmente vinculada a manifestações contra o STF e o Congresso. Embora continue estimulando os fundadores a não desistirem de tirar a sigla do papel, mesmo estando ele próprio fora do projeto, Bolsonaro vem sendo aconselhado a se distanciar dos extremistas. “Mesmo se o Aliança estivesse regularizado hoje, o presidente não se filiaria”, garante um ministro.
Outro problema: na prática, o grupo político bolsonarista implodiu. O PSL, antiga casa do capitão, rachou. Metade se sentiu desprestigiada por Bolsonaro depois que o presidente chegou ao Palácio do Planalto e age para expulsar quem continua próximo a ele. Hoje, porém, diante da necessidade para achar uma sigla a tempo das eleições de 2022, até um retorno ao PSL está sendo debatido. A todos os partidos com os quais negocia, o capitão faz a mesma exigência. Quer o comando total da legenda, o que tem dificultado um desfecho. As conversas mais quentes são com Patriotas, PSC e DC, além do PSL. A expectativa é de uma definição até o fim deste mês.
Leia também:
- Carta ao Leitor: O caminho perdido, entenda melhor sobre a economia do Brasil.
- Covid 19: como os vizinhos da América do Sul tentam evitar o ‘Risco Brasil’.
- Bolsonaro ainda não deu sinais claros de que compreende o tamanho do buraco em que se encontra.
- Medicina Avançada: Novas tecnologias conferem a médicos, seguranças e soldados, visão especial.
- Fracasso do governo na pandemia acentua uma urgência: acelerar a vacinação.
- Plano de Bolsonaro para melhorar imagem já admite isolamento social total.
- O inimigo dentro de casa: o novo embate entre o Planalto e o Coaf.
Publicado em VEJA de 24 de março de 2021, edição nº 2730