O escritor Olavo de Carvalho, morto na segunda-feira 24, gabava-se de, ainda em 2018, ter sido escolhido o mentor do clã Bolsonaro, mas todas as indicações que fez para o então recém-eleito governo do ex-capitão se transformaram em desgaste e estremecimento de relações políticas, uma verdadeira herança maldita. De suas mãos saíram nomes como os ex-ministros da Educação Ricardo Vélez e Abraham Weintraub, o ex-chanceler Ernesto Araújo e o atual assessor para Assuntos Internacionais da Presidência Filipe G. Martins.
Em comum, todos perderam influência política e acabaram escanteados, seja por embates desnecessários, seja pelo avanço do governo de Jair Bolsonaro rumo aos partidos do Centrão. A poucos meses da eleição em que o presidente tentará conquistar um novo mandato, pouco sobrou da todo-poderosa ala ideológica do bolsonarismo.
Em entrevista a VEJA, Olavo chegou a se declarar como “o segundo governo”, tamanha a influência de que gozava no início da administração bolsonarista, mas o tempo mostrou a dimensão de seu espólio. Ricardo Vélez foi demitido 100 dias após o início da gestão no Ministério da Educação, marcada por crises. O ponto alto da rápida passagem do professor colombiano pelo MEC foi a saraivada de críticas que recebeu ao declarar, em entrevista às Páginas Amarelas de VEJA, que brasileiros agem como “canibais” ao viajar. “Rouba coisas dos hotéis, rouba o assento salva-vidas do avião, acha que sai de casa e pode carregar tudo. Esse é o tipo de coisa que tem de ser revertido na escola”, afirmou Vélez.
O sucessor no posto tampouco foi menos verborrágico. O economista Abraham Weintraub foi demitido 14 meses após a posse no cargo e, enquanto esteve no ministério, contribuiu para elevar a tensão entre o presidente e o Judiciário. Weintraub nunca engoliu decisões judiciais que o desagradavam, como o veto à nomeação do delegado Alexandre Ramagem para a chefia da Polícia Federal, e atacou de forma virulenta o Supremo Tribunal Federal (STF). Em uma reunião com o presidente e ministros em abril de 2020, ele defendeu que juízes do STF acabassem atrás das grades – ou, em suas palavras, “colocava esses vagabundos todos na cadeia, começando no STF”. A demissão do segundo ministro da Educação foi resultado da pressão do próprio Supremo, que exigia uma resposta do Palácio do Planalto contra as agressões. Hoje, ele tenta se lançar candidato ao governo de São Paulo – e voltou ao ringue verbal, ainda que agora contra o próprio Bolsonaro.
Outro olavista no primeiro escalão, o ex-ministro Ernesto Araújo, que chegou a defender que o país fosse visto como um “pária internacional”, brigou com parceiros comerciais importantes, como a China, atacou a credibilidade de vacinas contra a Covid e bateu de frente com parlamentares que defendiam a tecnologia 5G chinesa. Em um dos seus arroubos, disse que preferia ver a política externa do Brasil sendo condenada por outras nações a se aliar ao “cinismo interesseiro dos globalistas, dos corruptos e semicorruptos”.
Olavo de Carvalho também ajudou a provocar desgastes para Bolsonaro ao escolher como interlocutor do governo para política externa um de seus alunos, o bacharel em Relações Internacionais Filipe G. Martins. Martins entoava, ao lado de Araújo, loas contra a China, as vacinas e um suposto “marxismo cultural”. Denunciado após simular um gesto interpretado como símbolo da supremacia branca em uma sessão do Senado, hoje vive escanteado no Palácio do Planalto e não participa mais de agendas relevantes com chefes de Estado.
Da família Bolsonaro, quem mais se aproximou de Olavo de Carvalho foi o deputado federal Eduardo Bolsonaro. Ele manteve encontros com o escritor e com o ex-estrategista de Donald Trump, Steve Bannon, em uma parceria para apoiar o avanço dos conservadores na América e frear “inimigos” como o Foro de São Paulo, que agrega os partidos e organizações de esquerda na região. Às vésperas das eleições, Eduardo perdeu espaço para o irmão Flávio, senador, entre aqueles que atuarão nos planos da campanha à reeleição do presidente.