A luta dos antigos caciques do MDB para manter o poder em seus redutos
Enfraquecidos depois de 2018, antigos quadros da sigla participam da primeira eleição sem o dinheiro e a influência com os quais estavam acostumados
Quem encontra com o ex-senador Romero Jucá fazendo campanha nas ruas de Boa Vista poderia suspeitar que o ex-presidente do MDB está se candidatando a algum cargo. Há meses ele circula pelo estado para inaugurar obras e fazer eventos que favoreçam seus aliados nas eleições municipais. Assim como outros caciques do partido, Jucá foi varrido para fora do Congresso há dois anos, mas tenta manter viva a influência em seu reduto eleitoral já pensando em 2022. Na capital de Roraima, apoia Arthur Henrique, o vice da atual prefeita, Teresa Surita (MDB), ex-mulher de Jucá. Nenhum candidato recebeu tanto dinheiro do partido quanto Henrique, que teve mais de 1,6 milhão de reais depositados em sua campanha. Mas a última pesquisa divulgada pelo Ibope mostra que está quase empatado na margem de erro com o segundo colocado, Ottaci (SD), contabilizando 28% das intenções de votos. Muito distante do grau de influência que levou Surita à vitória no primeiro turno em 2012 e 2016.
Jucá não é o único antigo cacique do MDB que enfrenta vida dura para transformar o pleito deste ano em tábua de salvação da sobrevivência política. Renan Calheiros obteve sucesso nas urnas em 2018, mas está longe do poder que acumulava no passado, tanto no Senado quanto na política local. Em Alagoas, teve sua autoridade desafiada de uma forma nunca antes vista. Luciano Barbosa, vice-governador na gestão de Renan Calheiros Filho, à revelia da família do senador, lançou-se candidato à prefeitura de Arapiraca, segundo maior município do estado, à revelia da família do senador. Inconformado, Renan ganhou apoio da direção nacional do MDB e interveio no diretório municipal. Barbosa foi expulso da sigla e, por ora, está com a candidatura indeferida pela Justiça. “Tenho 48 anos de partido e 36 anos de amizade com Renan. Não existe consistência no que ele fez”, diz José de Macedo, que foi destituído da presidência do diretório de Arapiraca a mando do senador. Nos próximos dias, Calheiros fará reuniões para definir quem seu grupo vai apoiar na cidade.
As dificuldades atuais dos caciques do partido remontam a 2018, quando foram atingidos em cheio pelo voto de protesto dos eleitores contra políticos que há anos empilhavam mandatos. Pesou contra a legenda o massivo envolvimento com escândalos de corrupção, os quais arrastaram para a cadeia nomes como Eduardo Cunha, Sérgio Cabral, Geddel Vieira Lima e, por poucos dias, até o ex-presidente Michel Temer. “É uma sigla que se enfraqueceu aos olhos da sociedade quando abriu mão de formular programas e passou a tomar posições somente para se manter nas bases governistas”, diz o cientista político Rui Tavares Maluf.
Como um fator que dificulta uma reação conjunta neste momento, o MDB sempre se comportou como uma espécie de federação de diretórios, sem que houvesse uma coordenação nacional para uni-los em torno de estratégias únicas. Presidentes estaduais creem que o partido vai eleger novamente um número respeitável de prefeitos e vereadores, mas admitem que o total tende a ser menor do que o da eleição de 2016 e manifestam preocupação com os impactos que essa queda trará para os planos futuros do partido. Espera-se que nesta eleição o MDB sofra derrotas consistentes na Bahia e na Paraíba, estados onde não elegeu nenhum deputado federal, e tenha sua hegemonia ameaçada pelo crescimento que o PSD, mesmo liderado pelo abstruso Gilberto Kassab, poderá registrar no Norte e no Nordeste.
Os caciques emedebistas, antes acostumados a campanhas irrigadas com recursos sem fim — fossem eles legais ou ilegais —, também reclamam da escassez de dinheiro e criticam a estratégia do presidente do MDB, deputado Baleia Rossi (SP), por não ter liberado verbas do fundo partidário para esta eleição, a fim de fazer caixa para 2022. Procurada, a direção nacional disse que as regras foram acordadas previamente com todos os dirigentes. Um dos focos de insatisfação está no Ceará, onde o ex-senador Eunício Oliveira já investiu mais de 200 000 reais do próprio bolso nas campanhas de aliados. “Os candidatos estão abandonados”, reclama ele, que promete doar ainda mais dinheiro até o fim do pleito. Eunício, que já foi presidente do Senado, hoje luta para manter seu arco de influência nos rincões do Ceará. Já na capital, Fortaleza, o candidato que ele decidiu apoiar, Heitor Férrer (SD), não passa da quarta posição, com 6% das intenções de votos. Comenta-se abertamente no partido que, a depender dos resultados do pleito municipal, Eunício e outros políticos tradicionais da sigla, enfraquecidos e sem alternativas, terão de tentar a sorte daqui a dois anos como candidatos a deputado federal. É a nova realidade para os caciques poderosos de outrora.
Publicado em VEJA de 4 de novembro de 2020, edição nº 2711