Como juiz federal, Sergio Moro foi responsável por conduzir os processos derivados do maior escândalo de corrupção da história, entre eles o que levou o ex-presidente Lula à cadeia. Como ministro de Jair Bolsonaro, teve uma atuação apenas discreta antes de entrar em conflito com o chefe, pedir demissão e sair criticando o governo. No terreno político, parecia que tudo daria errado para o ex-juiz. Primeiro, Moro se lançou candidato à Presidência da República pelo Podemos — aventura que durou cinco meses, até ele se desentender com os dirigentes e abandonar o partido. O União Brasil lhe abriu as portas, mas preferiu escolher Soraya Thronicke como candidata ao Planalto. Sem alternativas, restou a Moro disputar a vaga de senador pelo Paraná — um desafio, em princípio, pouco audacioso diante da imensa popularidade conquistada durante a Lava-Jato. Faltando dois dias para a eleição, porém, as pesquisas apontavam para uma iminente derrota do ex-juiz — fiasco que, se confirmado, encerraria de maneira melancólica a precoce carreira política daquele que, anos atrás, chegou a ser considerado um dos homens mais influentes do mundo, ao lado de personalidades como Barack Obama e Vladimir Putin. O prognóstico, no entanto, não se confirmou.
Abertas as urnas, Moro foi eleito com mais de 1,9 milhão de votos, 33,5% do eleitorado paranaense, deixando para trás dois adversários de peso: o senador Alvaro Dias (Podemos), que disputava seu quarto mandato consecutivo, e o deputado estadual Paulo Martins (PL), candidato que contava com a bênção de Jair Bolsonaro. Depois do resultado, o ex-juiz deu a primeira demonstração de já ter incorporado algumas artimanhas da política. Sem ser perguntado, foi espontaneamente às redes sociais e anunciou que votará no atual presidente da República no segundo turno. “Lula não é uma opção eleitoral, com seu governo marcado pela corrupção da democracia. Contra o projeto de poder do PT, declaro, no segundo turno, o apoio a Bolsonaro”, escreveu. Foi uma declaração até certo ponto surpreendente. Moro deixou o governo no início de 2020, acusando Bolsonaro de não ter compromisso com o combate à corrupção e de interferir na Polícia Federal para proteger os filhos de investigações. Foi chamado de mentiroso e traidor. As rusgas, ao que parece, ficaram no passado. O presidente imediatamente retribuiu o afago: “Está tudo superado. Daqui pra frente é um novo relacionamento. Ele pensa no Brasil e quer fazer um bom trabalho para o seu país e para o seu estado”.
Bolsonaro, que não tem — e nunca teve — muita simpatia pelo seu ex-subordinado, agora está de olho no eleitorado que acredita ter perdido depois do rompimento entre os dois. O ex-ministro, por sua vez, não desistiu de seu ambicioso plano de disputar a Presidência da República, adiado para 2026. Moro planeja se credenciar como referência no Congresso sobre temas que envolvam Justiça. Pretende ressuscitar pautas como a possibilidade de prisão após a condenação em segunda instância e o fim do foro privilegiado. Num eventual novo mandato de Bolsonaro, o apoio da bancada governista, acredita o ex-juiz, será fundamental para levar esses projetos à frente. A aproximação, portanto, é conveniente para os dois lados. “A minha eleição foi dura, contra todo o sistema político, mas mostramos que é possível vencer defendendo uma boa causa. Jamais estarei com Lula ou com o PT. Então o apoio contra eles é necessário e também um compromisso que tinha assumido com o eleitor”, disse Moro a VEJA.
Se não for mais uma artimanha, o senador eleito revela uma dose de ingenuidade se, de fato, acredita que qualquer coisa semelhante à Lava-Jato possa ser ressuscitada, seja no governo Bolsonaro ou, principalmente, no governo Lula. A tendência, portanto, é a de que o ex-juiz pregue sozinho nesse deserto — ou melhor, quase sozinho. Moro terá a seu lado a esposa, Rosangela Moro, eleita deputada federal por São Paulo, e o ex-procurador da Lava-Jato Deltan Dallagnol, o deputado federal mais bem votado no Paraná. “Minha eleição é um sinal do apoio das pessoas à causa do combate à corrupção, de apoio à Lava-Jato, um voto de opinião de quem acredita que isso é o melhor para o Brasil. É um recado para o mundo político de que os corruptos não vencerão”, diz Dallagnol. E não venceram — ao menos alguns dos figurões mais conhecidos. O ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (Pros-SP) foi apenas o 383º colocado na lista dos candidatos a deputado federal por São Paulo, enquanto os ex-senadores Romero Jucá (MDB) e Delcídio do Amaral (PTB), que também disputaram uma vaga no Congresso, ficaram longe da linha de corte dos vencedores. Ainda assim, ao lado do juiz e do procurador, ambos recordistas de votos, estarão pelo menos onze políticos enredados no escândalo de corrupção na Petrobras. Sinal de que o embate entre ex-investigadores e ex-investigados pode estar apenas recomeçando em outra arena — ainda que com uma ampla vantagem, ao menos numérica, para esse segundo grupo.
Publicado em VEJA de 12 de outubro de 2022, edição nº 2810