A decisão do ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), de soltar todos os presos condenados em segunda instância deve ser aplicada imediatamente pelos juízes de instâncias inferiores, avaliam criminalistas. A determinação do ministro, entretanto, não é de cumprimento automático. As defesas dos réus presos para cumprir pena após terem sido condenados em segunda instância devem pedir a soltura deles aos magistrados responsáveis pelas execuções penais.
A decisão do ministro do Supremo, tomada em uma Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) movida pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB), não abrange presos que estejam detidos preventivamente, isto é, cuja liberdade represente, por exemplo, risco de fuga ou de obstrução das investigações. Condenado em segunda instância e com possibilidade de recurso, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pode ser beneficiado — sua defesa já requereu sua liberdade.
A ação do PCdoB foi apresentada contra uma decisão do próprio STF que, em fevereiro de 2016, decidiu que o cumprimento da pena de prisão poderia começar após a condenação em segunda instância. Ela se baseia no artigo 5º da Constituição, que diz que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado — enquanto for possível recorrer. O artigo 283 do Código de Processo Penal também garante que ninguém seja preso senão em flagrante ou por ordem escrita, em decorrência de sentença transitada em julgado.
“Minha leitura da decisão é a de que o seu cumprimento deve ser automático e imediato, independentemente de decisão judicial no caso concreto. Entendo, porém, que os advogados deverão diligenciar para demonstrar que a situação dos seus clientes está abrangida e pedir a soltura imediata. Apenas na hipótese de existirem motivos ensejadores da prisão preventiva é que a soltura poderá ser negada”, diz Alexandre Ribeiro Filho, criminalista do Vilardi Advogados.
Andre Maurício Martins, do Martins e Melo Advogados, também entende a decisão como válida para todos os casos, bastando a defesa do réu peticionar. “A liminar consagra o entendimento de que a presunção da inocência é um princípio constitucional”, diz. Na avaliação do especialista, não há como um juiz da vara de execuções criminais se opor ao cumprimento de uma liminar do STF.
Na avaliação da advogada Carla Rahal, sócia de Viseu Advogados, a decisão está amparada na regra constitucional de que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado, quando não é mais possível recorrer. “A decisão é legítima, fazendo a ressalva, inclusive, do artigo 312 do CPP, que trata das possibilidades da prisão preventiva, modalidade de prisão provisória e não de execução de pena”. Porém, ela ressalva que a liminar concedida monocraticamente pelo ministro Marco Aurélio contraria entendimento adotado em julgamento do Pleno do STF.
Para a criminalista Anna Júlia Menezes, sócia do escritório Vilela, Silva Gomes & Miranda Advogados, a decisão do ministro Marco Aurélio não chega a ser uma novidade. “O que ele trouxe nessa liminar foi o mesmo posicionamento que ele adotou na votação do Habeas Corpus do ex-presidente Lula. O fundamento dele é que o fato de o Plenário ter decidido nos autos do HC não vincula as demais ações a serem julgadas”. Anna Júlia destacou o momento em que se deu a decisão: um dia antes do início do recesso. Mas ela lembra que uma discussão sobre esse tema já estava prevista para o início de 2019. “O resultado não é sedimentado, porque vai depender muito da composição do Supremo no momento do julgamento”, completa.
O processo teve o apoio de entidades vinculadas ao direito de defesa e das defensorias públicas de São Paulo e do Rio de Janeiro. “Esta ação em momento algum visou beneficiar o Lula. Sempre ressaltamos que o principal interessado era o cliente tradicional do processo penal no Brasil: o negro, o pobre, aquele sem rosto e sem voz. Se ele posteriormente veio a ser condenado era algo que não poderíamos prever. É claro que todos, indistintamente, têm o mesmo direito de usufruir de uma decisão do Supremo”, afirmou o advogado Carlos Eduardo de Almeida Castro, o Kakay, que atuou na defesa de uma das ações que defendem a revisão da prisão em segunda instância e representou o Instituto de Garantias Penais.