O senador Davi Alcolumbre é dono de um perfil típico de político do interior — jeitão simplório, bonachão e sempre pronto a justificar suas posições, inclusive as mais controversas, como ações em favor dos eleitores “do nosso Amapá”. No governo passado, ele se aliou a Jair Bolsonaro, disputou na condição de azarão a presidência do Congresso e foi eleito. No cargo, cumpriu tarefas importantes de interesse do Planalto, conquistou a confiança dos colegas ao viabilizar pleitos junto ao governo e angariou a simpatia do Supremo Tribunal Federal ao resistir à pressão para abrir processos de impeachment contra os ministros. A recompensa veio em forma de poder, influência e uma avalanche de verbas dirigidas ao seu estado, o que lhe garantiu uma reeleição relativamente tranquila no ano passado. Imaginava-se, porém, que a escalada do senador — ex-dirigente do DEM, legenda que Lula um dia disse que precisava ser extirpada da política brasileira — no mínimo ficaria naturalmente comprometida com a derrota de Bolsonaro. Deu-se o contrário.
Desde o dia 1º de janeiro, Alcolumbre tornou-se um dos mais fiéis aliados de Lula. Ele não só foi capaz de fazer essa transição com abnegação como ampliou ainda mais seu raio de influência. No novo papel, o senador se empenhou decisivamente na reeleição de Rodrigo Pacheco para presidir o Congresso e articulou o apoio de seu partido, o União Brasil, ao governo. Em contrapartida, indicou três ministros de Estado, recebeu a garantia de que o apoio de agora será retribuído daqui a dois anos, quando ele planeja voltar a comandar o Parlamento, e ainda foi agraciado com a liberação de mais algumas dezenas de milhões de reais em verbas e obras. Tamanha deferência tem explicação. Alcolumbre se gaba de ter uma bancada própria no Senado, formada, segundo ele, por cerca de trinta dos 81 parlamentares, que seguiriam cegamente suas orientações — prestígio adquirido com o chamado orçamento secreto. A VEJA, um ex-ministro de Bolsonaro contou que o senador enviou cerca de 1 bilhão de reais por ano através desse mecanismo “ao nosso Amapá”.
O prestígio de Alcolumbre junto ao novo governo, aliás, é mais que notório — é público. Ao anunciar quem comandaria o poderoso e disputado Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional, por exemplo, Lula quebrou o protocolo e revelou o padrinho da indicação. O senador, disse o petista, teve “competência” e a “inteligência” de apresentar para a pasta o ex-governador do Amapá Waldez Góes, a quem foi incumbida a missão de gerir um órgão com orçamento de 54 bilhões de reais. Aliados do parlamentar revelam que essa “competência” e “inteligência” responde pelo nome de Rodrigo Pacheco. O presidente do Congresso tem uma dívida de gratidão com Alcolumbre por ter sido escolhido como seu sucessor e, por isso, deu a ele uma espécie de procuração para falar e agir em seu nome. Vendendo caro esse peixe valioso, o senador foi autorizado a indicar outros dois ministros na cota do seu partido — Daniela do Waguinho (Turismo) e Juscelino Filho (Comunicações). As escolhas, aliás, foram no mínimo controversas. A ministra tem ligações com milicianos do Rio de Janeiro. O ministro é suspeito de usar o orçamento secreto em benefício próprio.
Expansivo, desajeitado e com um tom de voz alguns decibéis acima do normal — não à toa, as portas do gabinete do senador são revestidas de um isolamento acústico —, Davi Alcolumbre costuma ser definido pelos adversários, de forma jocosa, como uma pessoa que tem a “boca grande demais”. A referência se deve não apenas ao perfil falastrão do parlamentar, mas também ao apetite por cargos, verbas e nacos de poder — o que já vem gerando intrigas. Deputados do União Brasil reclamam de que foram alijados das negociações e cobram mais espaço para entregar o prometido apoio da bancada nas votações em plenário. Eles ameaçam impor uma sequência de derrotas ao governo ou até dar andamento a pautas-bomba caso não sejam atendidos. O Planalto, ao menos por enquanto, não considera a hipótese de ampliar o espaço da legenda na Esplanada. Pelo contrário.
Durante a transição do governo, Alcolumbre buscou uma aproximação dando sinais de parceria, ao prometer — e cumprir — enterrar indicações de Jair Bolsonaro para cargos federais que estariam submetidas à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), presidida por ele. Agora, o governo vai aguardar o chamado “teste do placar” para saber se Alcolumbre vai conseguir mesmo entregar o que prometeu. As primeiras votações importantes no Congresso devem acontecer no início de março, e o União já foi advertido de que, se não houver votos da maioria, haverá troca ministerial e mudança de interlocutor entre o governo e o Senado. No próprio PT há insatisfação com as costuras feitas pelo amapaense. “O Lula está esquentado, é capaz de mandar o Davi para aquele lugar. Lógico que agora ele não vai fazer confusão para perder apoio, mas, se o resultado prometido não vier rapidamente, vai dar um chega para lá nesses caras”, afirma um líder petista.
Enquanto isso, o senador continua colhendo os dividendos de tanto poder. Na última segunda-feira, 13, Waldez Góes foi a Macapá anunciar o investimento de 99 milhões de reais em equipamentos e obras de pavimentação e restauração que estão na alçada da Codevasf, estatal sob influência de… Davi Alcolumbre. Os recursos, fez questão de ressaltar o ministro, foram encaminhados por meio de emendas do senador amapaense, que estava representado no evento pelo irmão, Josiel Alcolumbre, seu suplente no Senado e que atualmente ocupa a presidência do Conselho Deliberativo do Sebrae no estado. Críticas, intrigas e desconfianças à parte, o fato é que Davi, ao menos por enquanto, continua reinando em Brasília.
Publicado em VEJA de 22 de fevereiro de 2023, edição nº 2829