Fortaleça o jornalismo: Assine a partir de R$5,99
Continua após publicidade

Alcolumbre transfere responsabilidade por rachadinha a chefe de gabinete

Paulo Boudens estabelecia quanto cada funcionária iria receber e a quem deveriam ser entregues os cartões e as senhas. O senador, porém, sabia de tudo

Por Hugo Marques Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 13h22 - Publicado em 12 nov 2021, 06h00

Há duas semanas, VEJA mostrou que o senador Davi Alcolumbre (DEM-AP) foi artífice e beneficiário de um esquema de rachadinha que envolveu seis ex-funcionárias do gabinete do parlamentar — todas mulheres, pobres e moradoras da periferia do Distrito Federal. Elas emprestavam o nome e o CPF, abriam conta no banco e, contratadas como assessoras, repassavam o cartão e a senha a pessoas da confiança do senador. Os salários variavam entre 4 000 e 14 000 reais, mas elas ficavam com uma parcela minúscula desse dinheiro. Entre vencimentos, benefícios, férias, décimo terceiro e verbas indenizatórias, estima-se que a fraude tenha rendido aproximadamente 2 milhões de reais durante o tempo em que durou, entre janeiro de 2016 a março deste ano. Em entrevista, Alcolumbre não negou a existência do esquema. Disse apenas que o desconhecia, já que a parte administrativa do gabinete, segundo ele, ficava sob a responsabilidade de outra pessoa.

Essa outra pessoa chama-se Paulo Augusto de Araújo Boudens. Ele é advogado, economista e braço direito de Davi Alcolumbre desde a época em que o congressista chegou a Brasília para exercer o primeiro mandato como deputado federal. As funcionárias fantasmas, de fato, disseram a VEJA que os detalhes sobre a operacionalização do golpe eram tratados com Paulo Boudens. Ele quem conduzia as entrevistas, estabelecia quanto cada uma iria receber e a quem deveriam ser entregues os cartões e as senhas bancárias. Alcolumbre, porém, sabia de tudo. Uma das ex-funcionárias, a diarista Marina Ramos Brito, revelou que conversou pessoalmente com o senador antes de ser contratada. Na ocasião, o parlamentar resumiu como funcionava o esquema: “Eu te ajudo e você me ajuda”. Marina foi admitida como assessora parlamentar, seu salário passava de 14 000 reais, mas ela só ficava com 1 350 reais. O resto do dinheiro ajudava o senador.

ESQUEMA - Lilian: o salário caía na conta e, logo depois, alguém sacava tudo -
ESQUEMA - Lilian: o salário caía na conta e, logo depois, alguém sacava tudo – (Cristiano Mariz/.)

Alcolumbre e Boudens são parceiros de longa data. Em 2019, quando o parlamentar assumiu a presidência do Congresso, não era incomum encontrar o advogado despachando com parlamentares, devidamente autorizado pelo senador. Durante os dezessete anos em que gerenciou o gabinete, nada acontecia sem passar por ele. E tudo o que ele fazia — rigorosamente tudo —, especialmente a parte administrativa, era submetido ao crivo do chefe. Sugerir, portanto, que uma fraude dessa dimensão, que durou mais de cinco anos e movimentou pelo menos dois milhões de reais, pudesse acontecer sem que Alcolumbre soubesse é, para dizer o mínimo, um despropósito. A relação entre os dois, aliás, é de extrema confiança. Além de assessor parlamentar, Boudens é sócio de um escritório de advocacia no centro da capital. O advogado atua na defesa de Alcolumbre em pelo menos uma dezena de processos, em Brasília e no Amapá — uma prestação de serviço na linha do “eu te ajudo e você me ajuda”.

ROTEIRO - Adriana: o cartão e a senha da conta ficavam com o chefe de gabinete -
ROTEIRO – Adriana: o cartão e a senha da conta ficavam com o chefe de gabinete – (Hugo Marques/.)

Aliás, em 2019, quando presidia o Congresso, Alcolumbre tentou, sem sucesso, aprovar uma medida para ajudar o amigo assessor. Por baixo dos panos, queria transformá-lo em funcionário efetivo do Senado, sem concurso, na base da canetada, com salário superior a 27 000 reais — o que é totalmente ilegal. Na época, a tramoia foi denunciada pelo site Metropoles e imediatamente abortada. No caso da rachadinha, Boudens aparece em vários relatos como uma espécie de gerente do esquema. No depoimento a VEJA, Marina contou que o advogado estava presente no momento em que ela conversou com o senador sobre os detalhes da contratação. As outras ex-funcionárias disseram que trataram da rachadinha diretamente com o chefe de gabinete.

A dona de casa Lilian Alves Pereira contou que foi várias vezes à agência da Caixa Econômica no Senado. Contratada como assessora júnior, chegou a ter um salário bruto de 11 000 reais, mas nunca trabalhou. Ela abriu uma conta no banco e deixou o cartão e a senha aos cuidados do gabinete. VEJA teve acesso aos extratos bancários que mostram a dinâmica da fraude. O salário de Lilian do mês de julho do ano passado, por exemplo, foi creditado no dia 21 daquele mês. Logo depois, a conta foi praticamente zerada. Alguém foi ao caixa eletrônico e fez cinco saques. Dos 7 304 reais depositados, sobraram apenas 4,49. “Uma pessoa tirava o dinheiro e dava minha parte, 800 reais, na mão”, diz a dona de casa, que, depois, abriu uma segunda conta em Luziânia (GO), a cidade onde mora, e passou a receber a gratificação via depósito. Essa logística, segundo ela, foi toda realizada sob orientação de Paulo Boudens.

PISTA - Erica: o salário da estudante e de outras funcionárias foi sacado no caixa eletrônico que fica a 200 metros do gabinete de Alcolumbre -
PISTA - Erica: o salário da estudante e de outras funcionárias foi sacado no caixa eletrônico que fica a 200 metros do gabinete de Alcolumbre – (Hugo Marques/.)

O mesmo procedimento foi seguido pela dona de casa Adriana Souza de Almeida e pela estudante Erica Almeida Castro. Contratada entre maio de 2017 e fevereiro de 2021, a dona de casa recebia 800 reais para emprestar seu nome ao esquema. Ela conta que entregou o cartão da conta, a senha e o crachá funcional nas mãos de Paulo Boudens. Já a estudante, cujos vencimentos e gratificações somavam mais de 14 000 reais, lembra que sua contratação foi conduzida pelo chefe de gabinete. Os extratos bancários das duas ex-funcionárias fantasmas também mostram a sequência de saques que ocorria logo depois do pagamento ser creditado — todos realizados a partir de um caixa eletrônico que fica a 200 metros do gabinete de Davi Alcolumbre. É, nos mínimos detalhes, um caso muito parecido com um que envolveu o senador Flávio Bolsonaro, quando ele era deputado estadual no Rio de Janeiro. Segundo o Ministério Público, os funcionários do gabinete devolviam parte dos salários. A coleta da rachadinha era organizada pelo chefe de gabinete do parlamentar, o ex-policial Fabrício Queiroz. Boudens, portanto, é o Queiroz de Alcolumbre.

Continua após a publicidade

“Alcolumbre não pode alegar desconhecimento do que se passa em seu próprio gabinete — ainda mais considerando-se que as funcionárias ‘fantasmas’ nunca compareceram naquele recinto”, disse o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), um dos poucos a cobrar diariamente uma apuração rigorosa do caso. A bancada do Podemos, formada por nove senadores, defendeu o afastamento imediato de Alcolumbre da presidência da Comissão de Constituição e Justiça do Senado. Já o presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco (MG), pré-candidato à presidência da República pelo PSD e até ontem colega de partido de Alcolumbre, silenciou — e, ao que parece, pretende permanecer assim, inerte, até que o caso caia no esquecimento, mesmo comportamento adotado pelo presidente do Conselho de Ética e Decoro, senador Jayme Campos, também do DEM. Na terça-feira 9, soube-se que a Polícia Legislativa abriu uma investigação interna e intimou para depor as seis ex-funcionárias. Para Alessandro Vieira, a investigação interna não tem valor legal.

O PRECURSOR - Queiroz e Flávio Bolsonaro: o ex-chefe de gabinete do parlamentar chegou a ser preso -
O PRECURSOR - Queiroz e Flávio Bolsonaro: o ex-chefe de gabinete do parlamentar chegou a ser preso – (./Reprodução)

Procurado por VEJA, Paulo Boudens não quis se pronunciar. Limitou-se a divulgar uma nota em que classifica como “inverídicas as informações prestadas pelas ex-servidoras à revista”. A respeito da insinuação do senador atribuindo a ele, Boudens, a responsabilidade pela contratação dos fantasmas, nada a declarar. Por fim, ainda poupou o chefe: “O senador Davi Alcolumbre, em nenhuma ocasião, manteve contato com as ex-assessoras mencionadas na matéria”. Combinadas entre si, as versões do senador e de seu chefe de gabinete produzem a seguinte situação: houve a contratação dos fantasmas, mas o senador não sabia de nada. Houve a rachadinha, mas é impossível que o dinheiro tenha chegado ao bolso do senador, pelo simples fato de que ele nunca teve contato com as mulheres. Dedução elementar: vai sobrar para Paulo Boudens.

Publicado em VEJA de 17 de novembro de 2021, edição nº 2764

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Black Friday

A melhor notícia da Black Friday

BLACK
FRIDAY

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de 5,99/mês*

ou
BLACK
FRIDAY
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba 4 Revistas no mês e tenha toda semana uma nova edição na sua casa (menos de R$10 por revista)

a partir de 39,96/mês

ou

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$71,88, equivalente a 5,99/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.