Aliados de Bolsonaro acendem alerta em meio a desgaste no Sudeste
Apoiadores do presidente fazem as contas e concluem que, para se reeleger, ele precisa conquistar mais 10 milhões de votos na região
Jair Bolsonaro foi eleito presidente com mais de 57 milhões de votos. Ganhou em todos os estados do Sul, Sudeste e Centro-Oeste, além do Distrito Federal. No Norte, venceu em cinco das sete unidades da federação, perdendo para Fernando Haddad, o candidato do PT, apenas em Tocantins e no Pará. No Nordeste, as urnas atestaram a supremacia petista, e Bolsonaro perdeu em todos os nove estados por uma diferença de 11 milhões de votos. Esse saldo negativo foi compensado por uma vitória expressiva do ex-capitão no Sudeste, onde ele conquistou 13 milhões de votos a mais do que o adversário. Naquilo que se desenha como a principal reviravolta na sucessão presidencial deste ano, a região que garantiu a eleição de Bolsonaro em 2018 é a mesma que agora põe em risco a sua reeleição. Calcula-se que o presidente precise conquistar nos próximos quatro meses no mínimo mais 10 milhões de votos no eixo Rio-São Paulo-Minas Gerais para viabilizar seu projeto de poder, um desafio complicado, considerando-se o cenário atual.
As pesquisas mais recentes da Genial/Quaest mostram que Bolsonaro está empatado com o ex-presidente Lula no Rio de Janeiro (35% a 35%), perdendo em São Paulo (39% a 28%) e em Minas Gerais (44% a 28%). Se as eleições fossem hoje, o presidente teria cerca de 18 milhões de votos, ante 24 milhões de Lula. É essa desvantagem, de acordo com os coordenadores da campanha à reeleição, que ele precisa tirar até o dia 2 de outubro, quando acontece o primeiro turno das eleições. Segundo assessores do presidente, não faz sentido do ponto de vista eleitoral insistir em agendas no Nordeste, por exemplo, já que ele sairá derrotado na região, mas deve ter cerca de 1 milhão de votos a mais lá do que em 2018. O foco tem de ser o Sudeste, alegam os assessores, onde o jogo de fato será decidido. Esse conselho ainda não está sendo seguido à risca. Na última quinta-feira, Bolsonaro agendou uma visita à festa de São João de Caruaru (PE). No dia seguinte, estava prevista sua participação na cerimônia de entrega de casas populares em João Pessoa (PB). Essas agendas são importantes, mas os coordenadores da reeleição estão preocupados de fato com os três maiores colégios eleitorais do país.
Minas Gerais é considerado o alvo prioritário da disputa. No estado, Bolsonaro aposta em dois fatores para reverter a vantagem de Lula. Um deles é o apoio do governador e candidato à reeleição, Romeu Zema (Novo), que lidera as pesquisas de intenção de voto. Zema fez dobradinha com Bolsonaro em 2018, quando os dois saíram vitoriosos, mas até agora não anunciou disposição de retomar a parceria em 2022. Segundo auxiliares do presidente, um acordo entre eles é apenas uma questão de tempo, seja por afinidade de pautas, seja porque o principal adversário do governador, o ex-prefeito Alexandre Kalil (PSD), já anunciou uma aliança com Lula. Na avaliação de bolsonaristas, Kalil é forte na capital, Belo Horizonte, mas não no interior, onde o peso da máquina pública será decisivo. E a máquina pública nessas localidades, de acordo com a cúpula da campanha, está de forma majoritária alinhada ao governo federal, que despejou bilhões de reais nos municípios por meio de emendas de parlamentares. O entorno de Bolsonaro está certo de que o governador, prefeitos e vereadores, devidamente contemplados nos últimos anos, trabalharão pela reeleição.
Desde 2002, o Nordeste tem sido pró-PT, enquanto o Sul e o Centro-Oeste no mesmo período ficam do outro lado da balança. Nos últimos tempos, tem sido o Sudeste o “suingue” nas eleições brasileiras, ou seja, é nessa região que há mudanças ao longo do tempo. Minas e Rio, por exemplo, elegeram Lula e Dilma, mas também votaram em Bolsonaro em 2018. “Quem vencer no Sudeste leva a eleição”, resume Felipe Nunes, diretor da Quaest. A campanha de Bolsonaro admite que Lula deve ganhar no Nordeste, enquanto os petistas já dão como certa a vitória do adversário no Sul e no Centro-Oeste. Os eleitores dessas regiões têm se mostrado muito resistentes em trocar de candidato, independentemente dos acontecimentos. A estratégia das campanhas, portanto, é ampliar ao máximo a quantidade de votos que cada lado pode conquistar no território do oponente e focar no Sudeste, onde uma onda a favor de qualquer um dos candidatos pode definir o nome do próximo presidente da República. “Em Minas o cenário parece estar mais consolidado. No Rio, Bolsonaro ainda tem espaço para crescer, principalmente no eleitorado evangélico. Em São Paulo, a distância entre eles deve diminuir, já que o medo da volta do PT ainda alcança patamares significativos no estado”, avalia Nunes.
No segundo turno de 2018, o Sudeste respondeu por 49 milhões dos 115 milhões dos votos registrados pelo Tribunal Superior Eleitoral. Em São Paulo, Bolsonaro conquistou 68% dos 23 milhões de votos válidos, 8 milhões a mais que Fernando Haddad (PT) — no total, o presidente conquistou 15 milhões de eleitores, ante os 7 milhões do petista. No Rio de Janeiro, a vantagem do ex-capitão foi a mesma: 68% dos votos (5,6 milhões para Bolsonaro ante 2,5 milhões para Haddad). Já em Minas Gerais a diferença foi um pouco mais apertada. O chefe do Executivo teve 58% do total (6 milhões a 4 milhões de votos). Os dados mostram, portanto, que Bolsonaro teve 13 milhões de votos a mais que seu adversário nos três estados. É nesse eleitorado que os governistas pretendem concentrar a campanha. Em São Paulo, Bolsonaro vai se ancorar no palanque do ex-ministro Tarcísio de Freitas, candidato ao governo estadual. A ideia é montar a chapa com o apresentador Datena (PSC) ao Senado. No Rio, o cenário está mais definido. Bolsonaro vai circular com o governador Cláudio Castro e o senador Romário. Ambos, do PL, tentam a reeleição.
Nos últimos meses, Bolsonaro vinha diminuindo a diferença em relação a Lula. Os problemas na economia interromperam a escalada. Há algumas semanas, o Planalto recebeu o resultado de um estudo encomendado por uma entidade de classe que catalogou uma série de temas com potencial de comprometer a reeleição do presidente. Um deles é o voto feminino. A pesquisa detectou também que, ao testar o nome da ex-ministra Tereza Cristina como candidata a vice do presidente, houve uma melhora nos índices de intenções de voto no presidente. Bolsonaro, por causa disso, recentemente voltou a considerar a hipótese de ter a ex-chefe da pasta da Agricultura como companheira de chapa. O ex-capitão nunca escondeu a preferência em ter o general Braga Netto, ex-chefe da Casa Civil, como candidato a vice. “Hoje, a cotação da ministra Tereza, que era próxima a zero, digamos que subiu para 30%”, informa um importante auxiliar do presidente. Na pesquisa da Quaest, apenas 22% das mulheres entrevistadas declararam voto em Bolsonaro.
Atrás nas pesquisas e emparedado pela crise mundial que provocou a alta nos preços dos combustíveis, Bolsonaro ganhou mais uma fonte de desgaste na última quarta-feira. A Polícia Federal prendeu o ex-ministro da Educação Milton Ribeiro numa investigação que apura um suposto tráfico de influência e corrupção na pasta que foi comandada por ele até março passado. O caso envolve um grupo de pastores evangélicos que estariam intermediando a liberação de recursos do ministério em troca de propina. O discurso de combate à corrupção canalizou milhões de votos para Bolsonaro em 2018. Até outro dia, o presidente se jactava de nunca ter sido registrado um único caso concreto de corrupção envolvendo diretamente seu governo — argumento importante para animar uma parte da militância bolsonarista e uma arma poderosa para confrontar Lula, preso sob acusação de ter se beneficiado do maior escândalo de corrupção da história. Hoje, até que se esclareça completamente esse episódio, tal discurso também caminha para o descrédito. Até os aliados do presidente concordam que a reeleição está cada vez mais difícil.
Publicado em VEJA de 29 de junho de 2022, edição nº 2795